BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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segunda-feira, 28 de julho de 2008

O Nascimento de um Exército: 4- O terror branco em Cao-Bac-Lang

Por Vo Nguyen Giap

Durante os anos de 1942-1943, o movimento da Liga Viet Minh tomara, nas províncias do Cao-Bac-Lang, umha envergadura sem precedentes.

Três dos nove distritos do Cao Bang eram "distritos a cem por cento" (Ha Quang, Hoa An e Nguyen Binh) e tínhamos, aliás, bases por toda a parte. No Bac Can, o movimento estendera-se a quatro distritos. Do lado de Lang Son, já atingia That Khe. E era particularmente forte nas regions Man, particularmente entre os Man Brancos, na regiom de Thien Thuat, e entre os "Man de sapecas", na zona Quang Trung.

Eis algumhas cifras, por exemplo, em relaçom ao distrito de Ha Quang, cuja populaçom muito disseminada è constituída na sua maior parte por minorias Nung. Em 1941 havia 1.053 membros das Associaçons para a Salvaçom Nacional; em 1942, eram 3.096, dos quais 1.049 eram elementos de confiança, aos quais se juntavam 235 milicianos de autodefesa e de assalto; nessa data, o distrito tinha organizado seis cursos de formaçom política e três cursos de formaçom militar acelerada. Em 1943, toda a populaçom tinha aderido às Associaçons para a salvaçom nacional, havia 1.004 milicianos de autodefesa e de assalto repartidos em 15 destacamentos; o distrito tinha aberto onze cursos de formaçom política e 26 cursos de formaçom militar, e a populaçom criara dez escolas de alfabetizaçom.

Umha grande parte dos rapazes e das raparigas participava nas formaçons de milicianos de choque e seguira vários períodos de treino militar. Foram organizadas, por diversas vezes, revistas e manobras militares. As manobras que se desenrolaram na aldeia de Hong Viet, em Julho de 1943, pugérom em acçom mais de mil homens, entre os quais milicianos, quadros da Liga Viet Minh à escala comunal e elementos de confiança das organizaçons para a salvaçom nacional. Visava-se, desta forma, ensinar os quadros a comandar e a empreender o treino dos destacamentos de milicianos de choque. Por outro lado, estas manifestaçons de força acabavam por dar confiança às massas revolucionárias, ajudavam a conquistar os elementos indecisos e intimidavam os reaccionários locais. Mas um tal método expunha-nos facilmente ao risco de descobrir as nossas forças, desvendar os nossos segredos e provocar a repressom.

Havia também a preocupaçom de armazenar víveres. Cada distrito tinha os seus celeiros de arroz e milho, com vista à insurreiçom. Os camponeses cavavam abrigos no mais profundo da floresta; faziam queimadas para secar e endurecer a terra, revestiam os buracos de madeira e instalavam fá estacas de bambu; a umha dada altura fechavam a cofragem com pranchas e estacas e recobriam todo de terra. As compras de armas tinham tomado as proporçons de um movimento de massas. Cada família procurava, por todos os meios, comprar armas de contrabando aos soldados das forças de Chang Kai-Chek, em risco de vender arroz ou um búfalo para as pagar. Em diversos locais, ins-talárom-se forjas para reparar as espingardas de pederneira, as carabinas de caça e fabricar armas brancas, catanas, sabres, punhais, etc... Os nossos compatriotas correspondiam magnificamente e em massa às colectas de ferro, de cobre, de socos de charrua, de bacias e pratos de cobre, ferragens, etc...

Os colonialistas franceses, vendidos de momento aos fascistas japoneses, punham em acçom todos os meios de que dispunham, na esperança de sufocar no ovo a insurreiçom armada. Eles conduziam a par umha repressom feroz e manobras demagógicas: a cenoura e o chicote. Procuravam, em primeiro lugar, liquidar as nossas organizaçons de base e cortar as vias de abastecimento dos quadros clandestinos. A seguir, desencadeavam operaçons militares para deitar a mao aos P.C. secretos do Viet Minh.

Eu acabava de abandonar o camarada Chu Van Tran, na regiom limítrofe de Cho Chu e Cho Don, para voltar a Cao Bang. A meio caminho, perto da cabeça de cantom de Bac Can, tive ensejo de constatar as primeiras manifestaçons deste terror branco. Chegado a Na Lum, aldeia isolada no cume do monte Phia Booc, cujo nome significa "arrozal abandonado", recebi umha carta do camarada Duc Xuan, chefe do Destacamento de Propaganda de assalto da "marcha para o Sul", assinalando-me um avanço do movimento e propondo-me vir participar num comício no vale. Duc Xuan era um excelente propagandista, muito activo e valente, que compunha belas cançons populares. Eu já chegara a umha aldeia, no sopé da montanha, quando soubem que o inimigo tinha enviado tropas contra a nossa base, perto de Phu Thông. Por falta de vigiláncia, o camarada Duc Xuan tinha sido surpreendido e abatido em plena reuniom. O inimigo tinha-lhe cortado a cabeça e os braços para os expor no mercado.

A nossa estrada encontrava-se cortada, portanto a populaçom estava em pánico.

Dei meia volta e, através de pistas que atravessavam a cadeia de Phia Booc, alcancei Cao Bang. Também aí o inimigo intensificava a repressom. Interessava-se particularmente polas regions onde se tinham desenrolado grandes manobras militares.

O P.C. do Comité interprovincial, que se encontrava no vale de Lam Son, tinha sido cercado pola tropa diversas vezes. Um dia, o inimigo abriu um fogo nutrido de morteiros sobre a sede do jornal Viet Nam Independente, mas sem qualquer resultado. Aliás, os atiradores que enviavam contra nós pouco brilhavam pola coragem. Bastava que um dos rapazes do P. C. gritasse: "Ao assalto!" para os fazer dar às pernas a grande velocidade.

De resto, o inimigo experimentava a astúcia. Colava proclamaçons, juntava a populaçom e recomendava-lhe que tratasse tranquilamente das suas ocupaçons, sem se deixar influenciar polos "rebeldes Viet Minh". O mesmo inimigo declarava que garantia a todos os que se tinham aliado à resistência a liberdade de voltar para casa e convidava os quadros clandestinos a passar para o serviço do "Governo". Resultado: um fiasco completo! Nengum dos nossos caiu na armadilha: os nossos partidários tinham sido preparados para essa eventualidade.

Perante estes reveses, eles prosseguírom a repressom. Reforçaram a sua rede de denunciantes, instalaram torres de vigia nos pontos nevrálgicos e nas localidades mais revolucionárias. Criaram novos "Bang ta" (notáveis das minorias), aumentaram os efectivos da guarda indígena e organizaram tropas francas móveis. Procuravam e prendiam os quadros revolucionários, incluindo os próprios pais. Toda a família que possuía quadros entre os seus membros ou que era suspeita de manter relaçons com os resistentes arriscava-se a ver a sua casa incendiada e os seus bens confiscados. Em muitas localidades, os celeiros onde se ocultavam os víveres fôrom descobertos e incendiados. Numerosas aldeias fôrom arrasadas implacavelmente. Quem quer que fosse encontrado na posse de documentos Viet Minh era imediatamente passado polas armas, decapitado e mutilado, com a cabeça e os braços expostos no mercado. A cabeça dos nossos militantes estava a prémio. A menos cara valia 1.000 piastras e umha tonelada de sal; algumhas eram cotadas até 20.000, mesmo 30.000 piastras.

Tirando a experiência do terror branco em Bac Son e Vu Nhai, o inimigo deu ordem de concentrar as aldeias. Todos os habitantes de povoados de menos de vinte casas recebêrom ordem de se reagrupar em pontos determinados. As casas eram desmanteladas. Quantas vezes, do alto da montanha, com o coraçom oprimido, fomos as testemunhas impotentes dos incêndios que destruíam, no vale, as casas dos nossos camaradas. De umha ponta à outra da zona de Cao-Bac-Lang, só havia ruína e desolaçom.

Nos novos centros de concentraçom, a populaçom levava umha vida das mais miseráveis. Toda a aldeia importante devia ser cercada por umha tripla barreira de bambus e assegurar a vigiláncia nocturna. O controlo de identidade tinha lugar todos os dias. Recolher das 6 da tarde às 6 da manhá. Proibiçom absoluta de trazer arroz para fora da aldeia. Alguns camponeses foram fusilados no próprio local, polo simples facto de transportarem um saco de rebentos de arroz para acautelarem as sementeiras, ou por levarem um cesto de arroz para o mercado.

Alguns agentes infiltrárom-se nas nossas fileiras. Nom se passava um único dia sem que a tropa figesse irrupçom nas aldeias para massacrar, pilhar, incendiar, obrigar a populaçom a executar tarefas forçadas ou a assinar papéis polos quais se comprometia a nom voltar a seguir o Viet Minh.

Perante esta situaçom, o Comité interprovincial do Cao Bac Lang decidiu mobilizar as massas para reagir. As células do Partido, os Comités Viet Minh de aldeia, deviam organizar o seu "comité de assalto antiterrorista" com os membros do Partido e os melhores elementos das Organizaçons para a Salvaçom Nacional. Paralelamente, reforçamos as medidas contra as infiltraçons de reaccionários nas organizaçons patrióticas. A populaçom nom se deixava abater. Todas as vezes que a tropa entrava na aldeia para a saquear, os nossos jovens militantes, rapazes e raparigas, espalhavam-se polas casas para levantar o moral das pessoas. No entanto, as atrocidades do inimigo nom deixárom de provocar localmente algumhas flutuaçons. Houvo aldeias onde a populaçom propujo suspender as actividades da Liga. Noutra parte, uns cinqüenta rapazes e raparigas refugiárom-se nas florestas.

O comité interprovincial do Cao-Bac-Lang forneceu directivas aos quadros que viviam ainda na legalidade: reforçar a vigiláncia para nom cair nas maos do inimigo, preparar-se para passar à clandestinidade, nom dormir à noite em casa; durante o dia, fazer-se acompanhar polos guardas de corpo, ter à mao um vasto "stock" de víveres para dous ou três meses, conservar o contacto com os responsáveis para poder passar à clandestinidade em caso de alerta. O número dos clandestinos aumentava rapidamente. O Comité interprovincial decidiu organizá-los em "núcleos clandestinos", encarregados de manter o movimento. Cada "núcleo clandestino" agrupava os camaradas de umha ou duas comunas, na sua maior parte membros do Partido que tinham tido de fugir de casa para se esconder nas florestas. Tinha o seu P.C. Numha pequena cabana insignificante -algumhas esteiras de bambu para dormir, um tecto de ervas secas ou folhas de bananeira- no alto da montanha, em plena selva. A vereda que levava ao meu P.C. seguia o leito de um ribeiro que descia em cascatas: impossível passar sem ser com a corrente, o que apresentava a vantagem de apagar qualquer vestígio; mas cada vez que chegávamos à cabana estávamos encharcados.

Um "núcleo clandestino" agrupava, em geral, quatro a cinco pessoas, por vezes mesmo dez, que viviam de acordo com umha estrita disciplina. O emprego do tempo seguia um programa rigoroso, repartido entre a agitaçom de massas, o estudo político e o treino militar. O dia era consagrado aos estudos e aos trabalhos agrícolas. Comia-se cedo, por volta das três ou quatro horas da tarde. Ao cair da noite, os clandestinos safam da selva. Tinham umha palavra de passe ou um grito combinado para se fazerem reconhecer polos membros do Partido ou polos elementos de confiança das nossas organizaçons que, com desprezo da própria vida, lhes vinham trazer víveres, fazer o ponto da situaçom e pedir directivas para travar a repressom, que incidia sobre esta ou aquela localidade, este ou aquele lugarejo. Pola noite adiante, eles dormiam algumhas horas ao ar livre, quando o tempo o permitia. Ao alvorecer, retomavam o caminho do P.C. Para nom causar aborrecimentos à localidade, era necessário atingir a selva a todo o custo, antes que a bruma matinal se levantasse. Esta vida, cheia de perigos e privaçons, esta vontade tenaz de permanecer em contacto com as organizaçons de base da populaçom insuflou umha poderosa combatividade às massas revolucionárias.

O inimigo via bem a impossibilidade de cortar a ligaçom entre o Partido e as massas, entre os núcleos clandestinos e os povoados. Intensificava a repressom, implantando postos por toda a parte; cercava os maciços montanhosos e penetrava na selva, impelindo diante das suas colunas a populaçom civil dos vales. De noite, enviava patrulhas armar emboscadas na confluência dos rios. Em pleno Verao, algumhas patrulhas nom hesitárom em incendiar florestas suspeitas. Um dia, pouco nos faltou para sermos queimados vivos: um abrigo, perto de um riacho, tinha sido descoberto. Vários P.C. de núcleos clandestinos foram cercados subitamente. A regiom de Bac Can era visada particularmente. Aconteceu-me ficar bloqueado, com o camarada Hoang Sam e dous militantes locais, três dias seguidos, no cume de umha montanha, no cantom Hoang Hoa Tham. Ficamos reduzidos a recolher a água dos bambus e a seiva de certas lianas para fazer o nosso arroz. Mas tivemos mais sorte que muitos dos nossos camaradas que caíram sob os golpes da repressom. Todas as vezes que o inimigo descobria um P.C. clandestino arrasava as aldeias das proximidades. No cantom Hoang Hoa Tham, onde o movimento se desenvolvera poderosamente, dous terços da populaçom tinham abandonado as aldeias para se refugiarem na selva.

Registava-se um recuo provisório do movimento das massas. Evidentemente que o sentimento nom mudara, mas as pessoas estavam tam aterrorizadas que chegavam a dizer: "No dia da insurreiçom, nós havemos de levantar-nos para esmagar o inimigo, mas, até lá, nom contem connosco. Basta contactar um clandestino para fazer arrasar a aldeia toda". Mas se as nossas bases nas massas se desmoronavam, coma poderíamos algumha vez desencadear a insurreiçom?

Era necessário manter, a todo o custo, as nossas organizaçons nas massas. Foi isso que explicamos em todas as células do Partido, a todos os quadros e militantes de base. Fossem quais fossem as dificuldades, devíamos manter a ligaçom com as massas. A repressom devia dar azo a seleccionar os elementos de confiança.

Após a reuniom, os quadros dos núcleos clandestinos partiam, cada um para o seu sector, com um fardo de arroz. Eles tomavam contacto com a populaçom a caminho do mercado ou nos campos. Davam-lhe a conhecer as vitórias da U.R.S.S. e dos Aliados, a subida impetuosa da revoluçom no delta, explicavam que a repressom seria impotente e traçavam planos com as pessoas para prosseguir as actividades da Liga. Na reuniom seguinte, começávamos por fazer a chamada: havia fortes possibilidades de se registar umha ausência, se nom mais. Em geral, os que faltavam nos prazos previstos tinham caído no exercício da sua missom.

Em certas regions, tínhamos de nos contentar, durante meses, com milho ou farinha de arroz; noutras, desenterravam-se tubérculos para substituir o arroz. No meu sector, comemos, durante meses, arroz com folhas de bananeira selvagem. Púnhamo-las a cozer em água salgada até que desaparecesse todo o vestígio de um sumo negro e viscoso, particularmente acre: mesmo assim, queimava-nos o estômago. Com um tal regime, quase nom tínhamos força sequer para galgar as encostas das montanhas e as nossas pernas tremiam.