BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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segunda-feira, 21 de julho de 2008

O NASCIMENTO DE UM EXÉRCITO: 1. Cao Bang: Ho Chi Minh volta ao seu país



Por Vo Nguyen Giap

O movimento revolucionário implantou-se rapidamente na província de Cao Bang. A partir de 1929, a Associaçom da Juventude Revolucionária contava aí vários grupos. Mais tarde, quando o Partido Comunista Indochinês foi criado, Cao Bang também tivo as suas células. As organizaçons de base do Partido conseguírom manter-se lá, apesar do terror branco, até a época da Frente popular, em que a chama revolucionária se apoderou das massas. O Congresso Nacional do Partido foi saudado com diversos comícios, enquanto os mineiros de Tính Tuc davam o sinal de luitas reivindicativas. Quando estalou a Segunda Guerra mundial, os colonialistas franceses cedêrom, em toda a linha, perante os fascistas japoneses, mas lançárom o melhor das suas forças contra o movimento revolucionário. Cao Bang conheceu a repressom. Os nossos quadros e os nossos militantes remetêrom-se à clandestinidade e conseguírom, no meio de enormes dificuldades, manter as organizaçons de base e sustentar o movimento.

Nessa hora crítica, o Presidente Ho Chi Minh chegou à regiom fronteiriça sino-vietnamita; encontrou-se lá com um pequeno grupo de emigrados, que incluía os camaradas Phung Chi Kien, Pham Van Dong, Hoang Van Hoan, Vu Anh e eu próprio. Depois do armistício de 1940, em França, o Tio To decidira que o essencial, para nós, era reentrar imediatamente no país, para tomar contacto com o Comité central e espalhar a nossa rede. O que se fijo. Nos primeiros tempos, acantonamo-nos, provisoriamente, em algumhas localidades chinesas, próximas da fronteira. Era umha regiom por onde já passara o Exército vermelho chinês, que lá tinha efectuado um trabalho político muito eficaz. A populaçom revelou-se acolhedora desde que soubo com quem tratava. Fijo mesmo todo para nos auxiliar.

Um certo número de quadros e militantes de Cao Bang -os camaradas Le Quang Ba, Hoang Sam, Bang Giap, etc...- tivérom de se refugiar na China, para escapar às perseguiçons. Tivérom a sorte de encontrar o Tio Ho, que decidira juntá-los ao nosso grupo, para completarem a formaçom política, antes de passarem a fronteira e irem estabelecer as primeiras bases da organizaçom da Liga Viet Minh no país. Este curso político acelerado tivo lugar numha aldeia chinesa, próxima da fronteira. O Tio Ho dedicou-lhe um cuidado meticuloso. Fijo-nos discutir o programa, que foi adoptado em comum. Dividiu, depois, a redacçom de seis ou sete liçons. Tínhamos, previamente, de compor o plano pormenorizado de cada umha destas exposiçons e submetê-lo à discussom colectiva, antes de o desenvolver por escrito. O texto definitivo devia ser reexaminado em comum, no decurso de umha reuniom. O Tio Ho exigia que estas liçons fossem adaptadas ao nível de massas: claras no conteúdo e simples nos termos. Estes cursos viriam a ser impressos, mais tarde, sob o título "O Caminho da Libertaçom".

Este primeiro curso de formaçom política da Liga Viet Minh foi um grande sucesso. Estava-se na véspera da Festa do Tet (Ano Novo lunar. Os militantes franquearam a fronteira, com umha confiança trans-bordante. Depois do Tet, foi a vez do Tio Ho voltar ao país. Estabeleceu o seu P.C. Na gruta do Pac Bo, no seio de um maciço montanhoso, de dous a três quilómetros de largura por cinco ou seis de comprimento, a um quilómetro apenas da fronteira. As minorias Nung, que povoam esta regiom, disseminam-se em minúsculos aglomerados empoleírados no flanco das montanhas ou aninhados nos vales que elas formam. Nom faltava pitoresco ao sítio, com os seus talhons dos arrozais, encas-toados na selva espessa, e as montanhas abruptas. Umha vegetaçom luxuriante mascarava quase completamente a entrada da caverna: mesmo de perto, era difícil dar por ela. Muito profunda, esta caverna encerrava um riacho encantador, cujas águas formavam, a pouca distáncia, umha pequena bacia, como que um lago miniatural. O riacho seguia o seu curso através de umha profusom de rochedos caprichosos, onde grossas estalactites mergulhavam sobre blocos enormes, arredondados pola erosom. Era para lá que o Tio Ho se dirigia, dia após dia, para trabalhar, a menos que nom fosse dar um curso político em qualquer aldeia dos arredores. Para as refeiçons, voltava à gruta. Reinava lá um frio cortante; à noite, felizmente, era possível, serem risco de se ser descoberto, acender umha pequena fogueira.

O Tio Ho, que ligava umha importáncia extrema à vigiláncia, diligenciava sempre que cada um de nós guardasse um segredo absoluto sobre todo o que dizia respeito ao P.C. Ao menor indício de perigo, dava imediatamente ordem de mudar de lugar. Umha vez, mandárom-nos dizer que o inimigo enviara espions para a regiom. O nosso P. C. mergulhou, acto contínuo, ainda mais profundamente na floresta. A nova localizaçom oferecia umha grande segurança. Para a atingir era preciso subir um curso de água, atravessar algumhas cascatas e escalar diversas escarpas. A sede do P.C. Nom passava de umha cabana bem escondida, sob umha profusom de lianas e de grandes raízes. Infelizmente, era tam sombria, mesmo em pleno dia, que, para trabalhar, tínhamos de trepar ao alto da montanha. Mais tarde, sempre por precauçom, o nosso P.C. mudou-se para outra gruta, extremamente exígua, que mal podia abrigar três ou quatro camas. Nos dias de grande chuva, as serpentes e outros animais faziam-nos companhia.

Esta vida de clandestinos acossados era extremamente dura. Para conservar umha boa saúde, condiçom primordial de um bom trabalho, o Tio Ho observava regras muito estritas. Levantava-se muito cedo. Todos os dias era ele, invariavelmente, quem nos acordava. Fazíamos, em conjunto, alguns movimentos de cultura física; depois começava o dia de trabalho. A noite, carecidos de petróleo para os candeeiros, reuníamo-nos em volta de umhas achas a arder. As horas das refeiçons eram também escrupulosamente respeitadas, mas o passadio era bem escasso. A nossa ementa só de longe em longe comportava um pequeno prato de carne, que tínhamos baptizado de "carne à Viet Minh"; eis a receita: um quarto de carne grelhada, cortada e passada, e três quartos de sal grosso. Algumhas vezes, organizávamos umha pescaria para melhorar o rancho.

Bebíamos água da fonte, passada por um filtro improvisado, feito de carvom, calhaus e areia. Apesar destas precauçons, ninguém escapou ao paludismo. O Tio Ho sofria freqüentemente ataques de febre. No momento das crises, recusava repousar, apesar das nossas instáncias, e continuava a presidir às reunions.

Mais tarde, quando o movimento tomou envergadura, o nosso P. C. deslocou-se para Lam Son, perto de Nuoc Hai, no fundo de um vale encastoado numha cadeia de montanhas, de acesso extremamente difícil.

Chamávamos a esse lugar o "Blockaus vermelho", porque estava rodeado de montanhas avermelhadas e servia há muito tempo de ponto de encontro dos revolucionários. O Tio Ho conservava sempre o mesmo modo de vida, todo simplicidade e frugalidade. A estadia nas grutas e na selva minara-lhe a saúde. Quando a situaçom evoluía favoravelmente, o abastecimento melhorava e a nossa vida material tornava-se quase satisfatória. Mas quando o inimigo intensificava a repressom, o nosso P. C. mergulhava mais profundamente na floresta e o abastecimento tornava-se difícil. Aconteceu-nos, mais que umha vez, refugiarmo-nos entre as minorias "Man Brancos" que, por carência de arroz, só se aumentavam de milho. Nós próprios, durante longos meses, comemos sopa de milho. A saúde do Tio Ho declinava visivelmente. Mas, durante toda esta permanência no Viet Bac, nunca o Tio Ho esteve tam doente como depois do golpe de força dos japoneses em 1945. Já tínhamos libertado umha vasta zona, que se alargava constantemente. Tínhamos descido com o Tio Ho de Cao Bang até Tan Trao. Era no mês de Julho de 1945, no período febril de preparaçom do Congresso nacional, decidido polo Comité central. O P.C, do comando provisório da zona libertada, encontrava-se instalado numha casa sobre estacas da aldeia de Tan Trao, perto de umha grande "figueira da índia", que haveria de ficar histórica. Eu era responsável pola permanência do P.C. O Tio Ho habitava umha pequena cabana aninhada no flanco da montanha, na proximidade da aldeia.

A longa marcha que o Tio Ho tivera de efectuar para ir de Cao Bang a Tan Trao devia-o ter esgotado. Caiu gravemente doente, após um período de grande abatimento; a febre nom o abandonara. A princípio, ainda podia engolir um pouco de sopa de arroz. Depois, foi ficando reduzido à farinha de arroz dissolvida na água. Algumhas vezes delirava. Ainda que a nossa provisom de medicamentos tivesse melhorado, só possuíamos, em última análise, alguns comprimidos de quinino e umhas ampolas de óleo canforado. Dia após dia, eu apresentava-me na cabana para fazer o meu relatório. O seu estado angustiava-me. Mas cada vez que me preocupava com a sua saúde, ele tranquilizava-me e insistia em que voltasse para o P. C, para dar andamento aos assuntos ope-rantes. No sétimo dia da doença, encontrei-o pior. Despediu-me, como de costume, depois de eu apresentar o relatório. Pretextando que nom tinha qualquer assunto urgente à espera, insisti em ficar com ele. Sem dúvida que tinha consciência do estado em que se encontrava - aceitou. Durante a noite, acordou várias vezes, chamando-me de cada vez. Tivem a confusa percepçom que me queria comunicar cousas capitais, antes que fosse demasiado tarde ...

Com a sua voz calma, destacando cada palavra, disse-me: "Neste momento, a conjuntura nacional e internacional é-nos extremamente favorável. O nosso Partido nom deve deixar passar a ocasiom. Devemos tomar a direcçom da luita nacional para a conquista da independência, custe o que custar, mesmo que toda a cordilheira vietnamita tenha de ser pasto de chamas." Interrompeu-se um momento para retomar fôlego e prosseguiu:

- Quando o movimento revolucionário ganha terreno, como hoje, é nessa altura, precisamente, que é necessário velar pola consolidaçom dos alicerces: reforçar ideologicamente os elementos seguros, formar os quadros, é preciso abrir cursos acelerados, a fim de formar a tempo os militantes locais e preocuparmo-nos particularmente em organizar células, de forma a poder manter o movimento nas horas críticas. Quanto à luita armada, desde que as circunstáncias se tornem favoráveis, será necessário prossegui-la resolutamente e ampliá-la, sem esquecer a consolidaçom das bases, para fazer face a qualquer eventualidade.

Estas recomendaçons soavam como últimas vontades. Figem imediatamente um relatório pormenorizado sobre o estado do Tio Ho ao Comité central. Pedia, ao mesmo tempo, a todos os camaradas que consultassem a populaçom local. Os velhos da aldeia acorrêrom em nosso socorro. Dérom-nos o endereço de um médico tradicional, reputado pola cura deste gênero de febre. Nessa mesma noite enviou-se um emissário ao médico, que chegou no dia seguinte, de manhá. Tomou o pulso do doente e foi à floresta, onde desenterrou umha espécie de tubérculo. Mandou-o queimar e deitar as cinzas numha tijela de sopa de arroz, que obrigou o doente a engolir. O Tio Ho nom tardou em sentir-se melhor e, alguns dias depois, estava completamente restabelecido.

Pode-se calcular a nossa alegria. Mas nunca chegamos a saber o nome do tubérculo miraculoso que curou tam rapidamente o Tio Ho.

Voltemos agora a Cao Bang, na altura em que o Presidente permanecia em Pac Bo. Os camaradas Phung Chi Kien e Vu Anh já lá se encontravam. O camarada Lam (nome de guerra de Pham Van Dong), o camarada Li (nome de guerra de Hong Van Hoan) e eu próprio, em missom em Tsin Si (China), fazíamos a ligaçom entre esta cidade e Kuei Lin. íamos, freqüentemente, a Pac Bo para apresentar os nossos relatórios ao Tio Ho e receber instruçons. De tempos a tempos, ele vinha ao nosso encontro, acompanhado do camarada Phung Chi Kien, num sftio situado a meio caminho entre Bac Bo e a nossa residência. Resistente como era, podia percorrer dezenas de quilómetros a pé, numha só tirada. Certa vez, encontrámo-lo. conforme o combinado, no nosso ponto de encontro, situado num mercado da China. Um dos nossos camaradas, que acabava de atravessar a fronteira, anunciou-lhe:

- O camarada X foi preso!

Sem parecer preocupar-se com a notícia, o Tio Ho convidou-nos para entrar numha locanda e mandou vir a refeiçom. Foi somente depois de ter comido que deu início à reuniom projectada. Tomou a palavra, em primeiro lugar, dirigindo-se ao mensageiro:

- fai agora o teu relatório. Aconteça o que acontecer, nom se deve perder o sangue frio.

Todas as vezes que voltávamos ao P. C. Para encontrar o Tio Ho tínhamos sempre a sensaçom de estar em casa.

- O Partido, dizia ele muitas vezes, é a grande família dos comunistas.

Nas horas de impulso do movimento, os militantes que traziam consigo a ebuliçom febricitante dos órgaos de base encontravam junto dele a atmosfera serena, que lhes fazia lembrar imediatamente que a luita ainda seria longa. Nas horas sombrias, quando o inimigo semeava o terror entre a populaçom em pánico, eles continuavam a encontrar nesse lugar, ao regressarem das respectivas missons, essa mesma atmosfera serena, da qual emanava umha confiança inquebrantável. Liçom preciosa: nas horas tristes, nada de pessimismo, nas horas do triunfo, nada de optimismo eufórico. O Tio Ho conseguiu, maravilhosamente, comunicar-nos a sua própria e inabalável fá na vitória da revoluçom.

- Fazer a revoluçom, dizia ele, é um trabalho de largo fôlego, um trabalho que exige tenacidade e perseverança. Qualquer decisom pede madura reflexom e nom deve ser tomada de ánimo leve.

Nesta conformidade, em geral, à volta das missons, se nom havia soluçom urgente a tomar, observávamos a seguinte regra de trabalho: o Tio Ho punha o problema em debate e concedia-nos um determinado tempo de reflexom. Em seguida, tinham lugar o conselho e as discussons. As suas directivas eram sempre muito precisas e muito práticas. E quando, após minuciosas discussons, adoptávamos as resoluçons finais, exigia que as realizássemos a todo o custo. Insistia também em controlar efectivamente o nosso plano de trabalho, qualquer que fosse a sua importáncia. Da minha permanência junto dele, retive este ensinamento: para fixar a linha da revoluçom é necessário ter umha noçom do conjunto e de longe, mas, no momento de passar à execuçom, é preciso prestar umha grande atençom aos mínimos detalhes de ordem prática. Negligenciar os pormenores é comprometer as grandes linhas.

Assim que o P. C. se estabeleceu em Pac Bo, o Tio Ho deu imediatamente ordem para fazer aparecer o Viet Lap (Vietname Independente). Este jornal saía clandestinamente umha vez por semana, em duas páginas de formato pequeno. Os artigos, curtos e simples, eram impressos em grandes caracteres, em litografia. Como os julgássemos demasiado curtos e demasiado simplistas, propusemos enriquecer-lhes o conteúdo e utilizar caracteres mais pequenos para melhorar a apresentaçom e aumentar o número dos artigos. Mas o Tio Ho tomou a defesa da preferência por artigos curtos, em caracteres grandes. Com a experiência, nom tardamos a constatar a eficácia do Viet Lap no nosso trabalho de propaganda e organizaçom. A influência do jornal nom provinha só da justeza da linha política mas também da simplicidade da forma: a primeira condiçom para despertar a consciência das massas e fazê-las progredir era abordar os problemas que as tocassem profundamente, em termos que elas pudessem compreender.

Com a continuaçom, o jornal fijo progressos, apareceu com quatro páginas e melhor apresentaçom. Estava destinado a alcançar um grande sucesso junto da populaçom.

O Tio Ho ligava umha grande importáncia à formaçom ideológica dos quadros. Traduzira para vietnamita a História do Partido Comunista (bolchevik) da U.R.S.S. Ele próprio dactilografara esta traduçom em alguns exemplares, que nos serviam como documentos para os nossos estudos.

Ele continuava, todavia, em estreito contacto com a populaçom local; ia freqüentemente visitar os velhos e ensinar a ler os mais jovens. Gostava muito de crianças. Com a sua veste anilada, à moda das minorias "Tho", poderia ser tomado por um camponês da regiom. O povo chamava-lhe respeitosamente "ong ke", qualificaçom reservada aos anciaos da aldeia.

No mês de Março de 1941, o Tio Ho presidiu, em Pac Bo, à 8.' Conferência ampliada do Comité central- Esta reuniom viria a tomar decisons históricas. Ao definir a linha do Partido, ela fijo da libertaçom nacional o objectivo n.° 1 para todo o povo. Decidiu igualmente a organizaçom da Liga para a Independência do Vietname (Viet Minh) e escolheu as duas bases de Bac Son-Vu Nhaí e de Cao Bang, como centros de preparaçom para a insurreiçom armada no Viet Bac.