BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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terça-feira, 22 de julho de 2008

Passagens da Guerra Revolucionária: uma revolução que começa


E começamos nossas recordações...


Por Comandante Che Guevara

A história da agressão militar que se consumou no dia 10 de março de 1952-golpe incruento dirigido por Fulgêncio Batista- não começa, naturalmente, no mesmo dia da quartelada. Seus antecedentes teriam que ser procurados muito atrás, na história de Cuba: muito mais atrás que a intervenção do embaixador norte-americano Summers Welles, no ano 1933; ainda mais atrás que a Emenda Platt, do ano 1901; mais atrás que o desembarque do Narciso López, enviado direto dos anexionistas norte-americanos, até chegar à raiz do tópico no tempo de John Quincy Adams quem no começo do século dezoito anunciou a constante da política do seu país com respeito a Cuba: uma maçã que, desmembrada da Espanha, devia cair nas garras do Uncle Sam infelizmente. Elas são elos de uma cadeia longa de agressões continentais que nao se exercem somente sobre Cuba.

Esta maré, este fluir e refluir do marulho imperial, se marca pelas caídas de governos democráticos ou pelo surgimento de novos governos ante o impulso incontido das multidões. A história tem características parecidas em toda a América Latina: os governos ditatoriais representam uma pequena minoria e eles ascendem por um golpe de estado; os governos democráticos de ampla base popular ascendem laboriaosamente e, muitas vezes, antes de assumir o poder, já estão estigmatizados pela série de concessões pré-vias que tiveram que fazer para manter-se. E, embora a Revolução cubana marque neste sentido, uma exceção em toda a América, era preciso especificar os antecedentesde todo este processo, pois quem escreve, levado e trazido pelas ondas dos movimentos sociais que convulsionam a América, teve a oportunidade de conhecer, devido a estas causas, outro exilado americano: Fidel Castro.

Conheci-o em uma dessas noites frias do México, e eu me lembro que nossa primeira discussão virou sobre política internacional. Às poucas horas da mesma noite -antes do amanhecer- era eu um dos futuros expedicionários. Mas me interessa aclarar como e porque eu conheci no México o atual Chefe de Governo em Cuba. Foi no refluxo dos governos democráticos em 1954, quando a última democracia revolucionária americana que fica em pé nesta área, a de Jacobo Arbens Guszmán, sucumbia ante a agressão meditada, fria, realizada pelos Estados Unidos da América do Norte atrás da cortina de fumaça da sua propaganda continental.

De lá se voltava derrotado, unido pela dor a todos os guatemaltecos, esperando, procurando a forma de refazer um futuro para aquela pátria angustiada. E Fidel vinha ao México procurar uma terra neutral onde preparar seus homens para o grande impulso. Começava uma tarefa duríssima para os encarregados de treinar essas pessoas, no meio da clandestinidade indispensável no México, lutando contra o governo mexicano, contra os agentes do FBI norte-americano e os de Batista, contra esta três combinações que se conjugavam de um ou outro modo, e onde muito intervinha o dinheiro e a venda pessoal. Além disso, havia que lutar contra os espiões de Trujillo, contra a má seleção feita do material humano-principalmente em Miami-e, depois de conquistar todas estas dificuldades, devíamos alcançar algo importantíssimo: sair.... e, depois... chegar.

Fidel Castro, ajudado por uma pequena equipe de íntimos, dedicou-se com toda sua vocação e seu extraordinário espírito de trabalho à tarefa de organizar as hostes armadas que sairiam em direção a Cuba. Ele quase nunca deu aulas de tática militar, porque o tempo lhe resultava curto para isto. Minha impressão quase instantânea, ao escutar as primeiras aulas, foi a possibilidade de vitória que via muito duvidosa ao alistar-me com o comandante rebelde ao qual me ligava, dede o início, um vínculo de romântico simpatia aventureira e a consideração de que valia a pena morrer em uma praia estrangeira por um ideal tão puro.

Achamos um rancho no México, onde sob a direção do general Bayo -estando eu como cefe de pessoal- se fez o último preparativo, para partir em março de 1956. Porém, por esses dias dois corpos policiais mexicanos, ambos pagos por Batista, estavam à caça de Fidel Castro, e um deles teve a fortuna econômica de detê-lo, cometendo o erro -também econômico- de não matá-lo, depois de fazê-lo prisioneiro. Muitos de seus seguidores caíram em poucos dias mais; também caiu nas mãos da polícia nosso rancho, situado nos arredores da cidade de México e fomos todos à prisão.

Houve quem estivesse na prisão cinquenta e sete dias, contados um a um, com a ameaça perene da extradição sobre nossas cabeças. Mas, em nenhum momento perdemos nossa confiança pessoal em Fidel Castro. E é que Fidel teve alguns gestos que, quase poderíamos dizer, comprometiam sua atitude revolucionária em pró da amizade. Eu me lembro que lhe expus especificamente meu caso: um estrangeiro, ilegal no México, com uma série inteira de incriminações, aliás, eu lhe disse que não devia de forma alguma deter a revolução por mim, e que podia deixar-me; que eu entendia a situação e que trataria de lutar onde eles me mandassem e que o único esforço que devia se fazer era que me enviassem a um país próximo e não à Argentina. Também me lembro da resposta definitiva de Fidel: "Eu não te abandono."E foi deste modo, porque houve que gastar tempo e dinheiro valiosos para tirar-nos da prisão mexicana. Essas atitudes pessoais de Fidel com as pessoas que aprecia são a chave da abnegação que cria ao seu redor, onde se soma a uma adesão de princípios, uma pessoal que faz deste Exército Rebelde um bloco indivisível.

Passaram dias, trabalhando na clandestinidade, nos escondendo onde podíamos, evitando toda a presença pública na medida no possível, quase sem sair à rua. Uns meses depois, descobrimos que havia um traidor em nossas linhas, cujo nome não sabíamos, e que tinha vendido uma remessa de armas.

Uma atividade febril teve que ser desnvolvida a partir desse momento: O Granma foi condicionado a uma velocidade extraordinária; amontoamos quantos viveres adquirimos, muito poucos por certo, e uniformes, rifles, equipes, dois fuzis antitanque quase sem balas. Enfim, no dia 25 de novembro de 1956, as duas da madrugada, começavam a se fazer realidade as frases de Fidel, que tinham servido de zombaria à imprensa oficial: " No ano de 1956 seremos livres ou seremos mártires."

Saimos, com as luzes apagadas, do porto de Tuxpan. Tínhamos muito mau tampo e, embora a navegação estivesse proibida, o estuário do rio se mantinha tranquilo. Cruzamos a boca do portoYucateco, e num momento mais, acenderam-se as luzes. Começamos a procura frenética dos antihistamínicos contra o enjôo, que não apareciam; se cantaram os hinosnacional cubano e do 26 Julho.

A rota eleita abrangia uma volta grande pelo sul de Cuba margeando Jamaica, as ilhas do GRan Caimán, até o desmbarque em algum lugar perto do povo de Niquero, na província de Oriente. Os planos se cumpriram com bastante lentidão: no dia 30 ouvimos pelo rádio as notícias dos motins de Santiago de Cuba que tinham provocado nosso Frank Pais, considerando sincronizá-lo com a chegada da expedição. No dia seguinte, primeiro de dezembro, à noite, púnhamos a proa em linha reta na direção de Cuba, procurando desesperadamente o farol de Cabo Cruz, carentes de água, petróleo e comida. Às duas da madrugada, com uma noite escura, de tempestade, a situação era inquietante. Iam e vinham osvigias, procurando a estela de luz que não aparecia no horizonte. Roque, ex-tenente da marinha de guerra, subiu uma vez mais à pequena ponte superior, para vislumbrar a luz do Cabo, e perdeu o equilibrio, caindo n'água. Momentos depois de reiniciada a marcha, já víamosa luz, mas o asmático caminhar de nossa lancha tornou intermináveis as últimas horas da viagem. Já de dia chegamos a Cuba pelo lugar conhecido como Belic, na praia de Las Coloradas.

Um barco de cabotagem nos viu, comunicando telegráficamente o achado ao exército de Batista. Apenas descemos, com toda a premência e levando o indispensável, nos introduzimos no lamaçal, quando fomos atacados pela aviação inimiga. Naturalmente, caminhando pelos pântanos cobertos de manguezais não éramos nem vistos nem hostilizados pela aviação, mas o exército da ditadura já caminhava sobre nossos passos.Levamos várias horas em sair do lamaçal, onde a imperícia e a irresponsabilidade de um companheiro que disse conhecedor nos lançaram. Ficamos em terra firme, à deriva, dando tropeções, constituindo um exército de sombras, de fantasmas, que caminhavam como seguindo o impulso de algum escuro mecanismopsíquico. Tinham sido sete dias de fome e de enjôo contínuos durante a travessia, somados a três dias mais terríveis, em terra. Aos dez dias exatos da saída do México, no 5 de dezembro de madrugada, depois de uma marcha noturna interrompida pelos desmaios e as fadigas e os descansos da tropa, alcançamos um ponto conhecido paradoxalmentepelo nome de Alegria de Pío.

Até a próxima passagem da guerra revolucionária.... Alegria de Pío