BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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quinta-feira, 24 de julho de 2008

O NASCIMENTO DE UM EXERCITO: 3 - A marcha para o Sul


Desde o seu regresso ao país, na regiom fronteiriça, o tio Ho preocupara-se constantemente em conservar o contacto com o Comité Central que se encontrava no delta. Quando a oitava Sessom do Comité Central decidiu a formaçom de duas bases revolucionárias no Viet Bac, a ligaçom entre Cao Bang e a regiom de Bac Son-Vu Nhai tornou-se umha necessidade imperiosa.

Além da nossa rede de ligaçom clandestina, era-nos necessário urgentemente organizar entre Cao Bang e o delta outras numerosas ramificaçons nas populaçons locais. Assim, em caso de repressom, poderíamos conservar o contacto e preservar as possibilidades de contra-ataque.

Para estabelecer a ligaçom em direcçom do delta, tínhamos de passar por regions habitadas polos Tho e os Man de sapecas" . Começamos um trabalho de agitaçom entre estes últimos. Tal como os Man Brancos, os Man de sapecas som honestos e leais. Também eles estavam saturados com o imperialismo e prontos para a insurreiçom. A hospitalidade e a ajuda mútua eram de tradiçom entre eles. Entusiasmárom-se com a ideia de se juntar numha liga para expulsar os colonialistas e fascistas, mas só concediam a sua confiança após a prestaçom de um juramento solene, segundo os ritos tradicionais. Para lhes provar a nossa boa fé, tomamos parte nessas cerimónias. Juramos sobre as nossas cabeças unirmo-nos como irmaos no seio de umha mesma família para expulsar das nossas aldeias os japoneses e os franceses, em nome da Pátria, segundo o programa da Liga Viet Minh; juramos conservarmo-nos solidários nos momentos mais críticos e nunca trair a Liga, nem mesmo sob a tortura. Para selar os nossos juramentos, mergulhávamos um pau de incenso aceso na água ou cortávamos a cabeça de um frango com um golpe seco de machete.

A partir da altura em que o movimento assumiu maior envergadura, o inimigo desencadeou a repressom. Unidades de Ngan Son, Nguyen Binh e Cao Bang subírom até ao cantom de Kim Ma, que cercaram. Bloquearam todas as vias de comunicaçom, estradas e pistas, para dar caça aos militantes e deitar a mao aos nossos serviços clandestinos. Polo meu lado, eu estava em vias de abrir um curso político com o camarada Thiet Hung e, ainda por cima, sofria de umha crise de paludismo. A populaçom aconselhou-nos a abandonar a regiom: "Desta vez é umha grande operaçom. A tropa chegou até aqui para os prender, seria melhor suspenderem por um momento as actividades da liga e retirarem-se para a floresta." Assim que soubérom a notícia, o Tio Ho e o Comité inter-provincial enviárom-nos emissários para que voltássemos ao P.C., mas nós pensamos que, em tais circunstáncias, a nossa partida acarretava o desmembramento das organizaçons de base. Pedimos para ficar.

No mesmo dia, o inimigo entregou-se a umha caçada sem quartel. Guiados polos camaradas Khan e Lac, marchamos em linha recta, sob umha chuva diluviana, através da selva e dos campos, evitando as pistas, durante umha noite inteira. Até de manhá, escalamos cristas e galgamos encostas. De madrugada, o nevoeiro era tam espesso que nom se via a mais de três metros. Polo meio da manhá, quando a neblina se levantou, encontramo-nos no alto de um cabeço escalvado, nas proximidades de umha aldeia que os atiradores repescavam casa por casa. Deitamo-nos de barriga para baixo e rastejamos durante mais de um quilómetro para atingir a orla da floresta, onde retomamos a marcha. Ao meio dia, estávamos esgotados, ao ponto de nom conseguirmos pôr um pé adiante do outro, e foram os camaradas da regiom que, tomando-nos pola mao, nos figérom marchar até ao crepúsculo. Nessa altura, tínhamos atingido o local previsto, no cume de umha montanha muito elevada. Após a construçom, à pressa, de umha cabana para nos abrigar, arquitectamos um plano para retomar contacto com a populaçom e dirigir a acçom contra a repressom.

Depois desta marcha movimentada, eu e o camarada Thiet Hung fomos abalados pola febre durante dous meses e meio. Como medicamento, só tínhamos infusons de raízes "cu ao". Alguns dos nossos militantes, inquietos polo nosso estado de saúde, revestírom a túnica anilada das minorias Cho para ir implorar ao feiticeiro a nossa cura. Mas que podia o feiticeiro? Tivemos de esperar que a ligaçom fosse restabelecida. O camarada Cap, que véu do P.C. Para retomar o contacto conosco, trouxo-nos alguns comprimidos de quinino que nos aliviárom.

Na realidade, esta busca ainda nom passava de umha operaçom de pequena envergadura. Mas como era a primeira na regiom, nom deixou de nos causar sérias dificuldades. O movimento conheceu um recuo durante um certo tempo. Todavia, a propaganda e os cursos políticos continuavam. Depois, todo retomou. As associaçons para a salvaçom nacional, as organizaçons de autodefesa tinham-se retemperado na provaçom. No vale de Kim Ma, ressoou novamente o eco entusiástico dos comícios, preparando a insurreiçom. Depressa foi convocada a primeira Conferência dos Delegados das Minorias Man, que decidiu a criaçom da zona Quang Trung. O movimento retomara o seu fôlego. Por ocasiom do aniversário da Revoluçom de Outubro, os representantes dos cantons de Nguyen Binh e Ngan Son efectuaram umha conferência preparatória com vista à insurreiçom armada, com a participaçom de alguns trezentos delegados e de umha dezena de destacamentos de choque que figérom umha demonstraçom militar.

Para facilitar a nossa propaganda, pusemos em verso o programa da Liga Viet Minh. Eu traduzi-o, igualmente em verso, para o dialecto dos "Man de sapecas" e dos Man Brancos. Adaptamos novas letras sobre árias folclóricas para exaltar a revoluçom. O programa da Liga pro-pagava-se, assim, muito rapidamente e penetrava em profundidade nas massas. Ao chegar a umha aldeia que tínhamos ganho para a nossa causa, tive um dia a surpresa de ouvir raparigas e crianças recitar de cor os versos do programa da Liga, ao mesmo tempo que pilavam o arroz e cerdavam o algodom.

Quanto mais terreno a "marcha para o Sul" ganhava, mais quadros exigia. Correspondendo ao apelo do Comité interprovincial, umha centena de rapazes e de raparigas de Cao Bang abandonavam os seus lares para formar grupos de assalto armados. Arranjaram, polos seus próprios meios, armas, mosquetes ou granadas. O camarada Thiet Hung possuía um revólver caprichoso que falhava um tiro em cada dois. Quanto a mim, tinha umha granada fora de uso que pendurava do cinturom: um apoio moral nunca é para desprezar. Em estreita cooperaçom com os militantes locais, os grupos de assalto armados repartiram-se em diversas formaçons que se dirigírom para o sul em missom de propaganda. O grupo de assalto encarregado de dar início à operaçom partia em primeiro lugar.

Contactava os militantes locais para um trabalho de inquérito e de propaganda e depois levantava organizaçons de base. Vinha depois o grupo encarregado de consolidar os primeiros resultados. Fazia a escolha entre os simpatizantes dos elementos seguros e abria em sua intençom cursos políticos acelerados. Os quadros assim formados tornavam-se o fulcro da expansom do movimento.

Para acelerar o trabalho, em lugar de abordar simplesmente as aldeias pola ordem topográfica, dávamos às vezes um salto em frente. Quando as condiçons o permitiam, nom hesitávamos em enviar para longe um grupo de assalto, que se deslocava clandestinamente, para ir organizar umha aldeia onde as massas já estivessem mais ou menos consciencializadas. Este grupo alargava-se e estabelecia, pouco a pouco, o contacto com as antigas bases. Baptizamos este método de "táctica de paraquedismo".

No decurso da nossa marcha para o Sul, aconteceu-nos um incidente que merece ser relatado:

Acompanhando os progressos do movimento, eu descera, pouco a pouco, do cantom de Kim Ma até Agan Son para controlar o trabalho e abrir cursos de formaçom para os quadros regionais. Estava sobre umha montanha, nas proximidades da capital do distrito de Ngan Son, quando recebi umha carta urgente do camarada Tong: convocaçom imediata para o P. C. Voltei à pressa para Cao Bang. Assim que cheguei, os camaradas Tong e Vu Anh anunciárom-me que o Tio Ho tinha sido preso durante umha missom na China e que acabava de morrer de doença na prisom.

Eu estava a cem léguas de esperar umha tal notícia. todo começou a girar à minha volta. O Tio Ho já nom existia! Que perda para o nosso Partido, para o nosso povo! Discutimos a redacçom de um relatório para informar o Comité Central e a organizaçom de umha cerimónia em sua memória. O camarada Tong ficava encarregado de pronunciar a oraçom fúnebre. O camarada Cap trouxo a mala de verga do Tio Ho, onde pensávamos encontrar alguns objectos para conservar como recordaçom. Projectamos também enviar o camarada Cap à China para tentar localizar o túmulo.

Alguns dias mais tarde, eu retomava o caminho para continuar a minha missom. Nunca esquecerei aquela noite em que, em companhia de um camarada de "marcha para o Sul", atravessei montanhas desertas, cobertas de capim. Fazia um frio cortante. Comprimia-me umha tristeza infinita. Sentia-me como que abandonado. De lágrimas nos olhos, olhava as estrelas na imensidade do céu.

Aigum tempo depois, recebemos um jornal enviado da China. À margem, algumhas linhas em caracteres chineses. Eram do punho do Tio Hol

"Para todos, boa saúde e muita coragem no trabalho. Aqui, todo vai bem".

Seguiam alguns versos:

"As nuvens abraçam os montes
os montes estreitam as nuvens
O rio é um espelho que nada embacia
Sobre a crista dos montes do Oeste
Solitário, caminho, emocionado
Perscruto, ao longe, o céu do Sul
E penso nos meus amigos."

A nossa alegria foi inenarrável.

Fomos mostrar o jornal ao camarada Cap:

- Entom, que quer isto dizer?

- Eu mesmo nom percebo nada, respondeu-nos ele. Foi o próprio governador de Kuomintang que me anunciou, quando eu estava na China, que Nguyen Ai Quoc tinha morrido.

Nós pressionávamos Cap com perguntas:

- Tenta lembrar-te. Que disse ele exactamente em chinês?

Cap acabou por se recordar: o governador chinês, ao falar do Tio Ho, pronunciara as palavras "su lo, su lo" que significam "bem, bem" mas o nosso camarada tinha-as interpretado mal porque basta umha mudança no acento tónico da primeira palavra para que a expressom signifique "já morto, já morto".

Fomos sacudidos por um louco ataque de riso. Mas o facto é que tínhamos carregado este peso no coraçom durante meses e meses.

Por volta de Agosto de 1943, a estrada para o Sul estava aberta. Foi essa que tomei para me dirigir ao delta, a fim de lá encontrar o camarada Ba, isto é, Chu Van Tan.

Tínhamos conseguido organizar as massas num sector bastante vasto. A nossa pista atravessava várias cadeias de montanhas e diversos vales, ao passar polas aldeias das minorias Tho, "Man de sapecas" e Man vermelhos.

Por toda a parte, à minha passagem, reinava umha atmosfera febril de preparativos para a insurreiçom. O moral da populaçom era excelente. As minorias Tho, tal como as minorias Man, estavam ganhas para a nossa causa. Elas reservavam aos revolucionários um acolhimento dos mais calorosos. Todas as aldeias Man que se escalonavam na estrada em direcçom ao cume do Monte Phia Booc (um dos cumes mais elevados da regiom, no qual nom cessa de chuviscar, ao longo de todo o ano, mesmo quando fai bom tempo no vale) trabalhavam para o Viet Minh; as mulheres e as crianças sabiam de cor os versos do programa da Liga em língua Man, bem como várias cançons revolucionárias. Quando os denunciantes subiam até lá, a populaçom fazia todo para esconder e proteger os revolucionários. Nom hesitava mesmo, em caso de necessidade, em nos arranjar esconderijos seguros sob o próprio altar dos génios tutelares, que som lugares absolutamente tabus para os estrangeiros.

Depois de quinze dias de marcha, cheguei perto de Cho Chu por um carreiro montanhoso que passava por cima do posto de Coe. Mais alguns passos e estaria no ponto de encontro. Encontrei o camarada Chu Van Tan num "ray" , em plena selva. Torna-se inútil relatar a nossa alegria! Convocamos imediatamente um certo número de quadros de Bac Son que se encarregavam da agitaçom no local e outros da marcha "para o Sul" para umha troca de impressons. Seguidamente, organizamos umha festa íntima; quando a noite caiu, dormimos ao ar livre sob as folhas da latánia.

O camarada Tan traçou-nos um quadro da situaçom em Thsi Nguyen e no delta. As nossas organizaçons de base tinham-se implantado fortemente em Bac Son e Vu Nhai e o movimento ganhava as regions de Cho Chu e Dai Tu. O inimigo prosseguia na sua politica de repressom. O camarada Tan contou-nos ainda que tinha sido enviado um relatório ao Comité Central, que nos ia enviar imediatamente um dos seus membros. Anunciavam-nos a sua chegada iminente para cada dia; mas decorrêrom duas semanas sem que o víssemos aparecer. A repressom era tam intensa que nenguma pista se revelava segura. Tive de voltar para Cao Bang, tal como fora previsto a princípio. Eu tinha aproveitado estes dias de espera para escrever umha brochura sobre "A experiência da Liga Viet Minh no Viet Bac", destinada a ser enviada para o delta.

Cheguei a Cao Bang, na véspera da festa do Têt. No último dia do ano lunar, a maioria dos quadros e umha vintena de destacamentos de assalto armados da "marcha para o Sul" reuniram-se para festejar os nossos sucessos. A Liga Viet Minh e a Federaçom do Partido em Cao-Bac-Lang enviárom-nos um galhardete que trazia bordadas as palavras "Assalto vitorioso".

Nesse preciso momento, o inimigo desencadeava o terror branco.