BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

quinta-feira, 31 de julho de 2008

O Nascimento de um Exército: 5. No sentido da luta armada


Se os ataques lançados polo inimigo tinham reduzido as nossas bases, por outro lado tinham-lhes dada têmpera. Algum tempo depois, em várias regions, o movimento reavivou-se e começou a orientar-se para a luita armada. O Comité interprovincial do Cao-Bac-Lang deu, aos núcleos clandestinos, ordem para se "militarizarem", isto é, para se proverem de armas e muniçons, e intensificarem o treino militar; as actividades militares deviam emparceirar com as actividades políticas. Os núcleos clandestinos receberam, portanto, a ordem de "viver como guerrilheiros", isto é, em alerta permanente, as bagagens ao alcance da mao, prontos a partir ao primeiro sinal.

Os distritos formavam destacamentos armados de sete a doze combatentes, livres de qualquer trabalho de produçom e, onde as condiçons o permitiam, formavam umha secçom. Estas unidades regionais encarregavam-se da propaganda armada, executavam os reaccionários mais perigosos, teciam emboscadas às patrulhas para conservarem o controlo das montanhas e das florestas. Entretanto, para evitar represálias à populaçom, o seu campo de actividade mantinha-se afastado o mais possível das organizaçons de base e, por esse simples facto, achava-se muito limitada.

A nossa "estrada para o Sul" fora cortada em diversos pontos. Nós enviávamos grupo de assalto sobre grupo de assalto para os sectores ameaçados, a fim de apoiar a populaçom local e manter as nossas organizaçons de base, mas sem obter senom resultados parciais. No princípio de 1944, a ligaçom com o delta tornou-se umha necessidade imperiosa. Por ordem do Partido, reagrupamos vários destacamentos armados locais para formar a Secçom da "Marcha para o Sul". Foi decidido avançar no mais absoluto segredo, através da seiva, para restabelecer a ligaçom com as nossas organizaçons de base no sopé do monte Phia Booc.

No nosso caminho, várias aldeias tinham sido arrasadas. A vigiláncia, nos povoados controlados polos postos, era das mais severas. A partir de Kim Ma, a nossa secçom tomou a direcçom do Sul, marchando de noite, descansando durante o dia. O avanço era penoso. Chovia sem tréguas. As águas faziam transbordar os ribeiros, que inundavam os caminhos. Encharcados até aos ossos, detínhamo-nos por vezes nas grutas, onde acendíamos um pequeno lume para nos aquecermos e secar as roupas. Depois, a marcha retomava. Por volta das seta ou oito horas da manhá, procurávamos um local bem abrigado, onde repousávamos das nossas fadigas, estendidos sobre folhas de latánia. Algumhas vezes, para atingir umha das bases, tínhamos de caminhar durante duas ou três noites ininterruptamente, através de aldeias inteiramente controladas por reaccionários, onde a única pista a seguir passava nas proximidades dos postos de guarda. Avançávamos entom com precauçom, evitando o menor ruído, o chapinhar de um passo na lama, o choque de um pau numha pedra.

Após oito ou nove dias de marcha, ultrapassamos Cho Ra e atingimos o ponto de contacto. Junto do monte Phia Borc. Um certo número de militantes que acompanhavam a secçom armada tinham trazido umha pedra litográfica, papel e tinta, para fazer aparecer um jornal ali mesmo, depois da tomada de contacto com as organizaçons de base e depois de consolidado o movimento na regiom e estabelecido o P.C. Se bem que arrasados pola fadiga, ardíamos de entusiasmo; em lugar de repousar, começamos a abater árvores para construir as cabanas; por essa altura, encarreguei o camarada Thank Quang, cuja família se encontrava em Cho Ra, de ir contactar as organizaçons de maior confiança da regiom. Voltou à noite, com tristes notícias; nas aldeias em redor, todas as organizaçons tinham sido desmanteladas e incendiadas numerosas casas de militantes. A populaçom prevenira-o para que se acautelasse, desenroiava-se umha grande busca e os atiradores batiam a floresta. Estabelecemos quartos de sentinela à volta do acampamento provisório e, após umhas horas de sono, retomamos o caminho para Cao Bang. Como nom previra mos a eventualidade de um recuo, tivemos de nos contentar com sopa de arroz no caminho da volta. No fim da viagem, todos nós cairíamos doentes.

Esta grande campanha de repressom causou-nos muitas dificuldades, mas as provaçons temperam os militantes e as massas e inculcam-lhe um espírito de sacrifício muito desenvolvido. Ora essa era precisamente umha das condiçons essenciais da insurreiçom.

No mês de Junho de 1944, o terror branco desencadeado polos franceses atingiu o paroxismo. Todos os dias se ouvia o eco da fusilaria. O povo esperava com impaciência os primeiros tiros da revoluçom. Toda a regiom do Cap-Bac-Lang nom passava de um barril de pólvora prestes a explodir.

No mesmo momento, no plano internacional, o fascismo caminhava para a derrota. Na Europa, após Estalinegrado e a contra-ofensiva geral do Exército soviético, os Aliados tinham aberto a segunda Frente. No Pacífico, a iniciativa das operaçons tinha escapado das maos dos japoneses, cujas bases navais mais importantes no ultramar caíam umhas após outras.

No princípio de Julho de 1944 deu-se a queda do Governo de Pétaín. De Gaulle reentrava em França na esteira das tropas anglo-americanas e formava o novo Governo. Na Indochina, esta evoluçom da situaçom acabou de cavar as contradiçons entre fascistas japoneses e colonialistas franceses. Impunha-se a perspectiva de um golpe de força nipónico.

O movimento revolucionário ganhava terreno por todo o país. A organizaçom da Liga Viet-Minh alarga-se de dia para dia. A opiniom pressentia e desejava umha grande convulsom.

Cerca do fim de Julho de 1944, o Comité interprovincial de Cao-Bac-Lang convocou umha conferência de quadros a fim de discutir o problema da insurreiçom armada. Todos os responsáveis do Sector estavam presentes. Ao passar em revista os nossos efectivos, podíamos constatar que os esforços dos imperialistas nom tinham sido muito eficazes: todos os nossos dirigentes tinham podido escapar ao terror branco.

A conferência desenrolou-se numha vasta gruta, em plena selva. A sala de reunions tinha sido arranjada com cuidado: arco de triunfo, grande mastro para a bandeira, filas de mesas para as delegaçons, camarata e refeitório. Em redor, à passagem de cada garganta do caminho, tinha-se disposto umha tríplice rede de sentinelas; ao lado dos militantes Man locais, alguns destacamentos armados tinham vindo dos distritos para reforçar o dispositivo de segurança. Após meses de umha luita encarniçada, meses passados a roçar pola morte, encon-trávamo-nos, enfim, reunidos para debater o problema que mais profundamente nos tocava. Pode calcular-se a nossa alegria. Nela se misturava um pouco de orgulho, orgulho polo nosso povo e polo nosso Partido; era de toda a evidência que a repressom nunca poderia bater a revoluçom.

O relatório político apresentado à conferência achava que "a conjuntura nacional e internacional e a situaçom do movimento no Cao-Bac-Lang tinham criado as condiçons para o desencadeamento da guerrilha nas três províncias".

As discussons que se seguírom chegárom rapidamente à resoluçom de fazer eclodir a insurreiçom o mais cedo possível, para corresponder à tensom criada polo "terror branco". Todos os delegados aclamárom esta decisom.

No dia seguinte, a conferência discutiu o sentido da palavra "insurreiçom" e decidiu substituí-lo por "desencadeamento da guerrilha", a fim de evitar equívocos na interpretaçom. Foi fixado um prazo para ultimar todos os preparativos.

Segundo o plano do Comité interprovincial, todas as regions deviam pôr de pé umha nova promoçom de chefes de destacamentos e de comissários políticos para atingir o montante previsto. Por outro lado, importava formar um certo número de quadros de reserva: todos os militantes clandestinos dos dous sexos, se a saúde lho permitia, deviam fazer um estágio para esse efeito. Incumbia ao Comité interprovincial organizar cursos de formaçom de chefes de secçons e de comandantes de companhia.

Abrimos, de urgência, nas regions sob o nosso controlo, cursos políticos em intençom dos militantes locais. Estes militantes eram escolhidos entre os elementos mais seguros e estimados da populaçom. Preparámo-los tanto para a guerrilha contra os japoneses como para a administraçom, a fim de que, no momento preciso, eles instaurassem o poder popular provisório.

As diversas localidades deviam aplicar o plano do Comité interprovincial para o recrutamento dos militantes de choque nas unidades de guerrilheiros. Estes homens repartiam-se em dous grupos: o primeiro, recrutado imediatamente ao momento da eclosom da guerrilha, enquanto que o outro constituiria o corpo da reserva. Divididos em grupos e secçons, recebiam um treino acelerado e deviam conservar-se prestes a entrar em campanha de um momento para o outro.

Era preciso, urgentemente, comprar e fabricar mais armamento, granadas em primeiro lugar. Cada espingarda de repetiçom devia conter cinqüenta cargas. As reservas de víveres, das quais umha parte composta de alimentos secos, deviam permitir resistir durante seis meses, para passar o período intercalar entre a apanha de arroz do ano em curso e a de milho do ano seguinte.

Os Comités de distrito deviam reorganizar a rede clandestina de ligaçom, os serviços de batedores, e ensinar à populaçom algumhas noçons sobre o trabalho de informaçons.

Desde há muito tempo que nós ensináramos a populaçom a criar o vácuo face ao inimigo e, em diversas localidades, tinham-se cavado silos para esconder os rebentos do arroz. Só nos faltava generalizar esta prática em todos os cantons, para bem acautelar as reservas de víveres. No que di respeito à evacuaçom da populaçom, insistíamos neste princípio: enquadrar e organizar sempre os evacuados de forma a que podam, ao mesmo tempo, prosseguir os trabalhos agrícolas e dar umha ajuda eficaz na frente.

A fim de estimular o movimento e preparar o desencadear da guerrilha, foi dada ordem aos destacamentos armados para repelir todos os ataques e garantirem-nos assim o controlo das florestas e das montanhas.

Todos os quadros e membros do Partido se lançárom desvairadamente nestes preparativos, desenvolvendo umha actividade intensa mas silenciosa, característica de toda a actividade clandestina. Viam-se velhas vender quase todo o que possuíam para comprar armas para os filhos. Em diversos distritos, velhos adoptárom resoluçons intimando os jovens dos dous sexos a alistarem-se no exército, ao primeiro apelo de mobilizaçom. O povo vivia na esperança e na ánsia febril das vésperas da insurreiçom.

Os nossos quadros organizavam reunions públicas para explicar à populaçom que o desencadear da guerrilha nom implicava forçosamente numha vitória fulminante, que era preciso contar com sacrifícios e, localmente, com alguns reveses de momento. Depois da eclosom da guerrilha, esperavam-nos muitos perigos e provocaçons. Todo este trabalho de explicaçom foi muito bem conduzido.

Setembro de 1944!

Terminava a colheita.

O plano dos preparativos tinha-se cumprido em grande parte. Já tínhamos aberto fogo em várias localidades. A atmosfera era de tensom. Todos aguardavam...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Che Guevara: A consciência do homem no centro da transformação da sociedade

“A revolução se faz através do homem, mas o homem deve forjar dia-a-dia seu espírito revolucionário”.

Che Guevara, O socialismo e o homem em Cuba[1].

Esse artigo é uma contribuição ao estudo do pensamento de Che Guevara acerca do papel do homem na transformação histórica. Seus escritos salientam que a construção do socialismo não pode avançar somente pelas transformações no modo de produção, na base econômica. E ressalta que, “Para construir o comunismo, simultaneamente com a base material tem que se fazer o homem novo”.(GUEVARA, 2005: 51) Sua concepção elucida, sobretudo, o papel do homem como sujeito da transformação histórica, entendido como ser social que transforma a si mesmo concomitantemente com a transformação da sociedade.

A temática do ‘homem novo’ é discutida por Che Guevara em vários artigos e discursos. Mas é especialmente num texto intitulado: O socialismo e o homem em Cuba, que as premissas fundamentais de sua concepção sobre essa temática aparecem de maneira mais elaborada:

Acredito que o mais simples é reconhecer sua qualidade de não-feito, de produto não acabado. As taras do passado são transmitidas, no presente, na consciência individual e há necessidade de se fazer um trabalho contínuo para erradica-las. (...) é necessário que se desenvolva uma consciência na qual os valores adquiram categorias novas. A sociedade em seu conjunto deve transformar-se em uma gigantesca escola. (GUEVARA, 2005: 50-51)

Na passagem citada acima, Che elucidou em princípio, três elementos centrais. Primeiro, ele afirma que a construção do ‘homem novo’ não confere um processo finalizado, nem poderia, já que a construção do novo homem se dá concomitantemente às transformações do modo de produção. Ou seja, junto com a nova base econômica, com o desenvolvimento das forças produtivas e as novas relações de produção, deve-se ir desenvolvendo a consciência de um homem comunista.

Segundo, seu pensamento elucida que a transição é marcada pelo antagonismo e conflito entre as novas relações sociais que subsistem ao mesmo tempo com as antigas taras do capitalismo. No socialismo deve-se suprir o legado da velha sociedade, negá-la e superá-la. Os mais terríveis adversários para a conscientização das massas, são a ambição demasiada e os hábitos egoístas do capitalismo; a força do costume individualista burguês, que busca satisfazer apenas interesses individuais. Esse legado é o maior inimigo da nova sociedade, um gigantesco oponente no processo de construção do ‘homem novo’ e da sociedade socialista. Che explica esse processo, mediante o exemplo de uma pessoa que se recupera de uma enfermidade:

É como um mal que tivera inconscientemente uma pessoa. Quando acaba o mal, o cérebro recupera a claridade mental, mas os membros não coordenam bem seus movimentos. Nos primeiros dias, após sair do leito, o andar é inseguro e pouco a pouco vai adquirindo a nova segurança. É neste caminho que estamos. (GUEVARA, 2005: 22).

Nesse trecho Che Guevara diz que a estrutura social de um regime em transição possui diversos defeitos e não está inteiramente liberta das seqüelas herdadas da antiga sociedade. Essa fase de transição é em sua essência contraditória, pois, traz consigo o conflito direto entre o novo e o velho que permanece.

Quanto à terceira questão, Guevara ressalta a necessidade de trabalhar a consciência de cada indivíduo para que adquira novos hábitos e valores. Sua concepção atenta que o homem deve sobrepujar suas ambições individualistas burguesas e em favor dos interesses coletivos, que representem verdadeiramente todo um grupo e não interesses particulares.

Nós não podemos estimular e sequer permitir atitudes egoístas nos homens, se não quisermos que os homens sigam o instinto do egoísmo, da individualidade; (...) O conceito de uma sociedade superior, pressupõe um homem desprovido desses sentimentos, um homem que tenha subjugado esses instintos. (CASTRO apud FERNANDES, 1979: 154).

Fidel compartilha das mesmas convicções que Che. Essa citação repousa sobre a análise da necessidade de sobrepor aos homens, novos sentimentos, valores e ideais que contemplem o coletivo. Isso implica que o homem que veio de uma sociedade individualista deve alcançar um alto grau de consciência social, em outras palavras, ele deve estar impregnado de sentimentos de amizade, fraternidade, compreensão, etc. Che salienta: “Deixe-me dizer, com o risco de parecer ridículo, que o revolucionário verdadeiro está guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta qualidade.” (GUEVARA, 2005: 62). Nesse sentido, o comunismo constitui uma sociedade de irmãos. O pensamento de Che Guevara defende o valor do humanismo, do homem que compreende e cumpri seu compromisso e dever perante a sociedade em construção e transformação.

O cubano Fernando Martinez Heredia, em sua obra Ché, el socialismo y el comunismo, afirma que: “En la concepción del Che la conciencia es la palanca fundamental, el arma para lograr que las fuerzas productivas y las relaciones de producción sociales dejen de ser medios para perpetuar la dominación, como era en el capitalismo”. (HEREDIA, 1989: 70) E Luiz Bernardo Pericás, em sua tese, Che Guevara e o debate econômico em Cuba, acrescenta que: “O importante seria, portanto, transformar esse homem individualizado no homem socialista, que precisaria da comunidade para desenvolver sua individualidade”.(PERICAS, 2004: 170)

A concepção de Guevara retoma o pensamento de Marx, que conforme seus estudos, a consciência não é pura, ela é influenciada pelo meio social, pela relação dos homens com outros homens. “A consciência é, antes de tudo, mera consciência do meio sensível mais próximo e consciência de uma interdependência limitada com as demais pessoas e coisas que estão situadas fora do indivíduo que se torna consciente”.(MARX; ENGELS, 2004: 23) A consciência é em sua origem um produto social, nascido das relações humanas, ou seja, do seu meio sensível mais próximo. Partindo dessa afirmação exposta por Marx, Che argumenta em favor de uma transformação da consciência desse homem que vem do capitalismo, mediante a produção da vida material, por meio de suas relações sociais com outros homens, atuando em sociedade.

O homem socialista aparece para Guevara como uma superação dialética do homem capitalista. É a negação do homem alienado pelas relações de produção regidas pelas leis do Capital. As características desse homem estranhado foram bem colocadas por István Mészáros: “O “verdadeiro homem” – a “verdadeira pessoa humana” – não existe realmente na sociedade capitalista salvo em uma forma alienada e reificada na qual encontramos ele como “trabalho” e “capital” (propriedade privada) opondo-se antagonicamente.” (MÉZÁROS, 2006: 106).

Portanto, é importante elucidar que Guevara segue a concepção marxiana que rejeita a idéia de que as características e os valores dos homens são dados, fixados pela natureza humana. Dessa maneira, “o homem não é, ele se torna”, pela produção e reprodução da sua atividade material. Marx parte do pressuposto ontológico que o homem é uma parte específica da natureza[2]. E assim, a consciência do homem está em revolução constante, por meio de ações práticas, que estão estreitamente ligadas à sua atividade. Cabe aqui citar novamente uma passagem clássica de A ideologia Alemã: “Os homens ao desenvolverem sua produção material e relações materiais, transformam, a partir da sua realidade, também o seu pensar e os produtos do seu pensar. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”.(MARX; ENGELS, 2004: 52).

É essa ação humana, do homem entendido como “ser social transformador” que modifica as condições objetivas, que muda a realidade concreta, que muda as relações de produção e reprodução. Portanto, mediante o antagonismo existente entre a classe burguesa e proletária, as contradições das relações de produção e das forças de produtivas e o malogro do Estado dominante, os homens transformam a sociedade, a base econômica e concomitantemente seu pensamento, suas idéias, ou seja, sua consciência também ganha nova forma.

Se o homem é sujeito da transformação histórica[3], a revolução proletária, só pode se concretizar como um ato consciente. Essa condição parte de uma premissa fundamental do socialismo científico, exposta por Engels:

A própria existência social do homem, que até aqui era enfrentado com algo imposto pela natureza e a história, é, de agora em diante, obra livre sua. Os poderes objetivos e estranhos que até aqui vinham imperando na história, colocam-se sob o controle do próprio homem. Só a partir de então, ele começa a traçar a sua história com plena consciência do que faz. E só daí em diante as causas sociais postas em ação por ele começam a produzir predominantemente, e cada vez em maior medida, os efeitos desejados. É o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade. (ENGELS, 2003: 65)

Sobre essa importante problemática em discussão, Michel Löwy acrescenta que: “A especificidade histórica da revolução proletária – não como um ato único, mas como processo permanente que conduz da luta pelo poder à instauração do comunismo – é que ela é, pela primeira vez, um empreendimento humano plenamente consciente.” (LÖWY, 2003: 37).

O entendimento dessa premissa é extremamente importante para a compreensão da ênfase dada por Che Guevara à construção de uma nova consciência. Assim, a construção do socialismo, negação e superação do capitalismo, só é possível por meio da atuação consciente de um ‘homem novo’. O homem socialista transforma a natureza, a sociedade e a si mesmo num plano que almeja como fim último, sua plena libertação como ser social.

Verificamos então que, Che Guevara ressalta em seus estudos, o papel decisivo da ação consciente e organizada do homem para o desenvolvimento do projeto socialista. Sem o ‘homem novo’, uma nova sociedade não pode surgir. Novas idéias e valores são fundamentais para a construção de uma nova sociedade, que somente dessa forma pode avançar no processo de emancipação do homem, e romper definitivamente as correntes da alienação.

______________

[1] Trata-se de um texto dirigido a Carlos Guijano, do semanário Marcha, Montevidéu, Uruguai, 12 de março de 1965.

[2] “Na visão de Marx o homem não é nem “humano” nem “natural” apenas, mas ambas as coisas: isto é, ‘humanamente natural” e “naturalmente humano”, ao mesmo tempo. Ou ainda, num nível mais elevado de abstração, “específico” e “universal” não são opostos entre si, mas constituem uma unidade dialética. Ou seja, o homem é o “ser universal da natureza” somente porque ele é o “se específico da natureza, cuja especificidade singular consiste precisamente em sua universalidade singular, em oposição à parcialidade limitada de todos os outros seres da natureza.” (...) O “ser-por-si-mesmo da natureza do homem” marxiano (...) não é por natureza, nem bom nem mau; nem benevolente, nem malevolente; nem altruísta nem egoísta; nem sublime, nem bestial etc.; mas simplesmente um ser natural cujo atributo é: a “automediação”. Isso significa que ele pode fazer com que ele mesmo se torne o que é em qualquer momento dado – de acordo com as circunstâncias predominantes (...).” (MÉSZÁROS, 2006: 19 – 151).

[3] Sobre essa questão, nunca é demais citar Marx, em O dezoito brumário de Louis Bonaparte: “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segunda a sua livre vontade; não a fazem sob circunstância de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” (MARX, 2000: 15).

por CARLOS BATISTA PRADO


segunda-feira, 28 de julho de 2008

O Nascimento de um Exército: 4- O terror branco em Cao-Bac-Lang

Por Vo Nguyen Giap

Durante os anos de 1942-1943, o movimento da Liga Viet Minh tomara, nas províncias do Cao-Bac-Lang, umha envergadura sem precedentes.

Três dos nove distritos do Cao Bang eram "distritos a cem por cento" (Ha Quang, Hoa An e Nguyen Binh) e tínhamos, aliás, bases por toda a parte. No Bac Can, o movimento estendera-se a quatro distritos. Do lado de Lang Son, já atingia That Khe. E era particularmente forte nas regions Man, particularmente entre os Man Brancos, na regiom de Thien Thuat, e entre os "Man de sapecas", na zona Quang Trung.

Eis algumhas cifras, por exemplo, em relaçom ao distrito de Ha Quang, cuja populaçom muito disseminada è constituída na sua maior parte por minorias Nung. Em 1941 havia 1.053 membros das Associaçons para a Salvaçom Nacional; em 1942, eram 3.096, dos quais 1.049 eram elementos de confiança, aos quais se juntavam 235 milicianos de autodefesa e de assalto; nessa data, o distrito tinha organizado seis cursos de formaçom política e três cursos de formaçom militar acelerada. Em 1943, toda a populaçom tinha aderido às Associaçons para a salvaçom nacional, havia 1.004 milicianos de autodefesa e de assalto repartidos em 15 destacamentos; o distrito tinha aberto onze cursos de formaçom política e 26 cursos de formaçom militar, e a populaçom criara dez escolas de alfabetizaçom.

Umha grande parte dos rapazes e das raparigas participava nas formaçons de milicianos de choque e seguira vários períodos de treino militar. Foram organizadas, por diversas vezes, revistas e manobras militares. As manobras que se desenrolaram na aldeia de Hong Viet, em Julho de 1943, pugérom em acçom mais de mil homens, entre os quais milicianos, quadros da Liga Viet Minh à escala comunal e elementos de confiança das organizaçons para a salvaçom nacional. Visava-se, desta forma, ensinar os quadros a comandar e a empreender o treino dos destacamentos de milicianos de choque. Por outro lado, estas manifestaçons de força acabavam por dar confiança às massas revolucionárias, ajudavam a conquistar os elementos indecisos e intimidavam os reaccionários locais. Mas um tal método expunha-nos facilmente ao risco de descobrir as nossas forças, desvendar os nossos segredos e provocar a repressom.

Havia também a preocupaçom de armazenar víveres. Cada distrito tinha os seus celeiros de arroz e milho, com vista à insurreiçom. Os camponeses cavavam abrigos no mais profundo da floresta; faziam queimadas para secar e endurecer a terra, revestiam os buracos de madeira e instalavam fá estacas de bambu; a umha dada altura fechavam a cofragem com pranchas e estacas e recobriam todo de terra. As compras de armas tinham tomado as proporçons de um movimento de massas. Cada família procurava, por todos os meios, comprar armas de contrabando aos soldados das forças de Chang Kai-Chek, em risco de vender arroz ou um búfalo para as pagar. Em diversos locais, ins-talárom-se forjas para reparar as espingardas de pederneira, as carabinas de caça e fabricar armas brancas, catanas, sabres, punhais, etc... Os nossos compatriotas correspondiam magnificamente e em massa às colectas de ferro, de cobre, de socos de charrua, de bacias e pratos de cobre, ferragens, etc...

Os colonialistas franceses, vendidos de momento aos fascistas japoneses, punham em acçom todos os meios de que dispunham, na esperança de sufocar no ovo a insurreiçom armada. Eles conduziam a par umha repressom feroz e manobras demagógicas: a cenoura e o chicote. Procuravam, em primeiro lugar, liquidar as nossas organizaçons de base e cortar as vias de abastecimento dos quadros clandestinos. A seguir, desencadeavam operaçons militares para deitar a mao aos P.C. secretos do Viet Minh.

Eu acabava de abandonar o camarada Chu Van Tran, na regiom limítrofe de Cho Chu e Cho Don, para voltar a Cao Bang. A meio caminho, perto da cabeça de cantom de Bac Can, tive ensejo de constatar as primeiras manifestaçons deste terror branco. Chegado a Na Lum, aldeia isolada no cume do monte Phia Booc, cujo nome significa "arrozal abandonado", recebi umha carta do camarada Duc Xuan, chefe do Destacamento de Propaganda de assalto da "marcha para o Sul", assinalando-me um avanço do movimento e propondo-me vir participar num comício no vale. Duc Xuan era um excelente propagandista, muito activo e valente, que compunha belas cançons populares. Eu já chegara a umha aldeia, no sopé da montanha, quando soubem que o inimigo tinha enviado tropas contra a nossa base, perto de Phu Thông. Por falta de vigiláncia, o camarada Duc Xuan tinha sido surpreendido e abatido em plena reuniom. O inimigo tinha-lhe cortado a cabeça e os braços para os expor no mercado.

A nossa estrada encontrava-se cortada, portanto a populaçom estava em pánico.

Dei meia volta e, através de pistas que atravessavam a cadeia de Phia Booc, alcancei Cao Bang. Também aí o inimigo intensificava a repressom. Interessava-se particularmente polas regions onde se tinham desenrolado grandes manobras militares.

O P.C. do Comité interprovincial, que se encontrava no vale de Lam Son, tinha sido cercado pola tropa diversas vezes. Um dia, o inimigo abriu um fogo nutrido de morteiros sobre a sede do jornal Viet Nam Independente, mas sem qualquer resultado. Aliás, os atiradores que enviavam contra nós pouco brilhavam pola coragem. Bastava que um dos rapazes do P. C. gritasse: "Ao assalto!" para os fazer dar às pernas a grande velocidade.

De resto, o inimigo experimentava a astúcia. Colava proclamaçons, juntava a populaçom e recomendava-lhe que tratasse tranquilamente das suas ocupaçons, sem se deixar influenciar polos "rebeldes Viet Minh". O mesmo inimigo declarava que garantia a todos os que se tinham aliado à resistência a liberdade de voltar para casa e convidava os quadros clandestinos a passar para o serviço do "Governo". Resultado: um fiasco completo! Nengum dos nossos caiu na armadilha: os nossos partidários tinham sido preparados para essa eventualidade.

Perante estes reveses, eles prosseguírom a repressom. Reforçaram a sua rede de denunciantes, instalaram torres de vigia nos pontos nevrálgicos e nas localidades mais revolucionárias. Criaram novos "Bang ta" (notáveis das minorias), aumentaram os efectivos da guarda indígena e organizaram tropas francas móveis. Procuravam e prendiam os quadros revolucionários, incluindo os próprios pais. Toda a família que possuía quadros entre os seus membros ou que era suspeita de manter relaçons com os resistentes arriscava-se a ver a sua casa incendiada e os seus bens confiscados. Em muitas localidades, os celeiros onde se ocultavam os víveres fôrom descobertos e incendiados. Numerosas aldeias fôrom arrasadas implacavelmente. Quem quer que fosse encontrado na posse de documentos Viet Minh era imediatamente passado polas armas, decapitado e mutilado, com a cabeça e os braços expostos no mercado. A cabeça dos nossos militantes estava a prémio. A menos cara valia 1.000 piastras e umha tonelada de sal; algumhas eram cotadas até 20.000, mesmo 30.000 piastras.

Tirando a experiência do terror branco em Bac Son e Vu Nhai, o inimigo deu ordem de concentrar as aldeias. Todos os habitantes de povoados de menos de vinte casas recebêrom ordem de se reagrupar em pontos determinados. As casas eram desmanteladas. Quantas vezes, do alto da montanha, com o coraçom oprimido, fomos as testemunhas impotentes dos incêndios que destruíam, no vale, as casas dos nossos camaradas. De umha ponta à outra da zona de Cao-Bac-Lang, só havia ruína e desolaçom.

Nos novos centros de concentraçom, a populaçom levava umha vida das mais miseráveis. Toda a aldeia importante devia ser cercada por umha tripla barreira de bambus e assegurar a vigiláncia nocturna. O controlo de identidade tinha lugar todos os dias. Recolher das 6 da tarde às 6 da manhá. Proibiçom absoluta de trazer arroz para fora da aldeia. Alguns camponeses foram fusilados no próprio local, polo simples facto de transportarem um saco de rebentos de arroz para acautelarem as sementeiras, ou por levarem um cesto de arroz para o mercado.

Alguns agentes infiltrárom-se nas nossas fileiras. Nom se passava um único dia sem que a tropa figesse irrupçom nas aldeias para massacrar, pilhar, incendiar, obrigar a populaçom a executar tarefas forçadas ou a assinar papéis polos quais se comprometia a nom voltar a seguir o Viet Minh.

Perante esta situaçom, o Comité interprovincial do Cao Bac Lang decidiu mobilizar as massas para reagir. As células do Partido, os Comités Viet Minh de aldeia, deviam organizar o seu "comité de assalto antiterrorista" com os membros do Partido e os melhores elementos das Organizaçons para a Salvaçom Nacional. Paralelamente, reforçamos as medidas contra as infiltraçons de reaccionários nas organizaçons patrióticas. A populaçom nom se deixava abater. Todas as vezes que a tropa entrava na aldeia para a saquear, os nossos jovens militantes, rapazes e raparigas, espalhavam-se polas casas para levantar o moral das pessoas. No entanto, as atrocidades do inimigo nom deixárom de provocar localmente algumhas flutuaçons. Houvo aldeias onde a populaçom propujo suspender as actividades da Liga. Noutra parte, uns cinqüenta rapazes e raparigas refugiárom-se nas florestas.

O comité interprovincial do Cao-Bac-Lang forneceu directivas aos quadros que viviam ainda na legalidade: reforçar a vigiláncia para nom cair nas maos do inimigo, preparar-se para passar à clandestinidade, nom dormir à noite em casa; durante o dia, fazer-se acompanhar polos guardas de corpo, ter à mao um vasto "stock" de víveres para dous ou três meses, conservar o contacto com os responsáveis para poder passar à clandestinidade em caso de alerta. O número dos clandestinos aumentava rapidamente. O Comité interprovincial decidiu organizá-los em "núcleos clandestinos", encarregados de manter o movimento. Cada "núcleo clandestino" agrupava os camaradas de umha ou duas comunas, na sua maior parte membros do Partido que tinham tido de fugir de casa para se esconder nas florestas. Tinha o seu P.C. Numha pequena cabana insignificante -algumhas esteiras de bambu para dormir, um tecto de ervas secas ou folhas de bananeira- no alto da montanha, em plena selva. A vereda que levava ao meu P.C. seguia o leito de um ribeiro que descia em cascatas: impossível passar sem ser com a corrente, o que apresentava a vantagem de apagar qualquer vestígio; mas cada vez que chegávamos à cabana estávamos encharcados.

Um "núcleo clandestino" agrupava, em geral, quatro a cinco pessoas, por vezes mesmo dez, que viviam de acordo com umha estrita disciplina. O emprego do tempo seguia um programa rigoroso, repartido entre a agitaçom de massas, o estudo político e o treino militar. O dia era consagrado aos estudos e aos trabalhos agrícolas. Comia-se cedo, por volta das três ou quatro horas da tarde. Ao cair da noite, os clandestinos safam da selva. Tinham umha palavra de passe ou um grito combinado para se fazerem reconhecer polos membros do Partido ou polos elementos de confiança das nossas organizaçons que, com desprezo da própria vida, lhes vinham trazer víveres, fazer o ponto da situaçom e pedir directivas para travar a repressom, que incidia sobre esta ou aquela localidade, este ou aquele lugarejo. Pola noite adiante, eles dormiam algumhas horas ao ar livre, quando o tempo o permitia. Ao alvorecer, retomavam o caminho do P.C. Para nom causar aborrecimentos à localidade, era necessário atingir a selva a todo o custo, antes que a bruma matinal se levantasse. Esta vida, cheia de perigos e privaçons, esta vontade tenaz de permanecer em contacto com as organizaçons de base da populaçom insuflou umha poderosa combatividade às massas revolucionárias.

O inimigo via bem a impossibilidade de cortar a ligaçom entre o Partido e as massas, entre os núcleos clandestinos e os povoados. Intensificava a repressom, implantando postos por toda a parte; cercava os maciços montanhosos e penetrava na selva, impelindo diante das suas colunas a populaçom civil dos vales. De noite, enviava patrulhas armar emboscadas na confluência dos rios. Em pleno Verao, algumhas patrulhas nom hesitárom em incendiar florestas suspeitas. Um dia, pouco nos faltou para sermos queimados vivos: um abrigo, perto de um riacho, tinha sido descoberto. Vários P.C. de núcleos clandestinos foram cercados subitamente. A regiom de Bac Can era visada particularmente. Aconteceu-me ficar bloqueado, com o camarada Hoang Sam e dous militantes locais, três dias seguidos, no cume de umha montanha, no cantom Hoang Hoa Tham. Ficamos reduzidos a recolher a água dos bambus e a seiva de certas lianas para fazer o nosso arroz. Mas tivemos mais sorte que muitos dos nossos camaradas que caíram sob os golpes da repressom. Todas as vezes que o inimigo descobria um P.C. clandestino arrasava as aldeias das proximidades. No cantom Hoang Hoa Tham, onde o movimento se desenvolvera poderosamente, dous terços da populaçom tinham abandonado as aldeias para se refugiarem na selva.

Registava-se um recuo provisório do movimento das massas. Evidentemente que o sentimento nom mudara, mas as pessoas estavam tam aterrorizadas que chegavam a dizer: "No dia da insurreiçom, nós havemos de levantar-nos para esmagar o inimigo, mas, até lá, nom contem connosco. Basta contactar um clandestino para fazer arrasar a aldeia toda". Mas se as nossas bases nas massas se desmoronavam, coma poderíamos algumha vez desencadear a insurreiçom?

Era necessário manter, a todo o custo, as nossas organizaçons nas massas. Foi isso que explicamos em todas as células do Partido, a todos os quadros e militantes de base. Fossem quais fossem as dificuldades, devíamos manter a ligaçom com as massas. A repressom devia dar azo a seleccionar os elementos de confiança.

Após a reuniom, os quadros dos núcleos clandestinos partiam, cada um para o seu sector, com um fardo de arroz. Eles tomavam contacto com a populaçom a caminho do mercado ou nos campos. Davam-lhe a conhecer as vitórias da U.R.S.S. e dos Aliados, a subida impetuosa da revoluçom no delta, explicavam que a repressom seria impotente e traçavam planos com as pessoas para prosseguir as actividades da Liga. Na reuniom seguinte, começávamos por fazer a chamada: havia fortes possibilidades de se registar umha ausência, se nom mais. Em geral, os que faltavam nos prazos previstos tinham caído no exercício da sua missom.

Em certas regions, tínhamos de nos contentar, durante meses, com milho ou farinha de arroz; noutras, desenterravam-se tubérculos para substituir o arroz. No meu sector, comemos, durante meses, arroz com folhas de bananeira selvagem. Púnhamo-las a cozer em água salgada até que desaparecesse todo o vestígio de um sumo negro e viscoso, particularmente acre: mesmo assim, queimava-nos o estômago. Com um tal regime, quase nom tínhamos força sequer para galgar as encostas das montanhas e as nossas pernas tremiam.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Prólogo a "Guerra do Povo, Exército do Povo"



Ernesto 'Che' Guevara

1964


Primeira Edição: Prólogo ao livro de Vo Nguyen Giap, Guerra do povo, exército do povo, Editora Política, Habana 1964
Traduzido de: Escritos y discursos, tomo 1, Editorial de Ciencias Sociales, Havana 1972, páginas 225-232
Fonte: Gentilmente cedido pela primeiralinha.org.

HTML por José Braz para o Marxists Internet Archive


Consideramos umha alta honra prologar este livro baseado nos escritos do vicegeneral Vo Nguyen Giap, actualmente Primeiro Ministro da Defesa Nacional e Comandante em Chefe do Exército Popular da República Democrática do Viet Nam. O general Giap fala com a autoridade que lhe confere a sua longa experiência pessoal e a do partido na luita de libertaçom. A obra, que tem de por si umha actualidade permanente, reveste mais interesse, se couber, devido à tumultuosa série de acontecimentos acontecidos nos últimos tempos nesta regiom da Ásia, e às controvérsias surgidas sobre o uso adequado da luita armada como meio de resolver as contradiçons insalváveis entre exploradores e explorados, em determinadas condiçons históricas.

Os combates que, exitosamente, levaram durante longos anos os heróicos exércitos e o povo inteiro do Viet Nam, repetem-se agora; o Viet Nam do Sul está em pé de guerra; a parte do país arrebatada ao seu legítimo dono, o povo vietnamita, está cada vez mais perto da vitória. Ainda quando os inimigos imperialistas ameacem com enviar milhares de homens, os desaforados falem do uso da bomba atómica táctica e o general Taylor seja nomeado embaixador da chamada "República do Viet Nam do Sul" e, tacitamente, comandante em chefe dos exércitos que tratarám de liquidar a guerra do povo, nada impedirá a sua derrota. Muito perto, no Laos, a guerra civil acendeu, provocada também polas manobras dos norte-americanos, apoiados de umha maneira ou outra polos seus aliados de sempre, e o reino neutral da Camboja, parte, como os seus irmaos Laos e Viet Nam, da antiguamente chamada Indochina francesa, está sujeita a violaçons das suas fronteiras e a ataques permanentes, pola sua posiçom erguida em defesa da neutralidade e do direito a viver como naçom soberana.

Por isto todo, a obra que prologamos sobarda os limites de um episódio histórico determinado e adquere vigência para toda a zona; mas, além disso, os problemas que coloca tenhem particular importáncia para a maior parte dos povos da América Latina submetidos ao domínio do imperialismo norte-americano, sem contarmos com que seria de extraordinário interesse o conhecimento dela para todos os povos de África que dia a dia sustenhem luitas cada vez mais duras, mas também repetidamente vitoriosas, contra os colonialistas de diversa índole.

O Viet Nam tem características especiais; umha civilizaçom muito velha e umha longa tradiçom como reino independente com particularidades próprias e cultura autóctone. Dentro da sua milenária história, o episódio do colonialismo francês é pouco mais do que umha pinga de água. No entanto, as suas qualidades fundamentais e opostas do agressor igualam, em termos gerais, as contradiçons insalváveis que se apresentam em todo o mundo dependente, bem como a forma de resolvê-las: Cuba, sem conhecer estes escritos, bem como também nom outros que sobre o tema se tinham feito narrando as experiências da Revoluçom chinesa, iniciou o caminho da sua libertaçom por métodos semelhantes, com o sucesso que está hoje à vista de todos.

Portanto, esta obra coloca questons de interesse geral para o mundo em luita pola sua libertaçom. Podem resumir-se assim: a factabilidade da luita armada, em condiçons especiais em que tenham fracassado os métodos pacíficos de luita de libertaçom; o tipo que deve ter esta, em lugares com grandes extensons de terreno favorável para a guerra de guerrilhas e com populaçom camponesa maioritária ou importante.

Apesar de que o livro se baseia numha compilaçom de artigos, tem boa ilaçom, e certas repetiçons nom fam mais do que dar-lhe maior vigor ao conjunto.

Trata-se nele da guerra de libertaçom do povo vietnamita; da definiçom desta luita como guerra do povo e do seu braço executor como exército do povo; da exposiçom das grandes experiências do partido na direcçom da luita armada e a organizaçom das forças armadas revolucionárias. O capítulo final trata sobre o episódio definitiov da contenda, Dien Vien Fu, em que já as forças de libertaçom ganham em qualidade e passam à guerra de posiçons, derrotando também neste terreno o inimigo imperialista.

Começa-se narrando como, depois de acabada a guerra mundial com o triunfo da Uniom Soviética e das potências aliadas do Ocidente, França burlou todos os acordos e levou o país a umha situaçom de extrema tensom. Os métodos pacíficos e racionais de resolver as controvérsias fôrom demonstrando a sua inutilidade, até que o povo tomou a via da luitar armada; nesta, polas características do país, o peso fundamentalmente recaia no campesinato. Era umha guerra de características camponesas, polos lugares fundamentais de acçom e pola composiçom fundamental do exército, mas estava dirigida pola ideologia do proletariado, fazendo válida mais umha vez a aliança operário-camponesa como factor fundamental da vitória. Embora nos primeiros momentos, polas características da luita anticolonialista e antiimperialista, era umha guerra de todo o povo, e umha grande quantidade de gente cuja extracçom nom respondia exactamente às definiçons clássicas de camponês pobre ou de operário, incorporava-se também à luita de libertaçom; a pouco e pouco, definiam-se os campos e começava a luita antifeudal, atingindo entom o seu verdadeiro carácter de antiimperialista, anticolonialista, antifeudal, dando como resultado o estabelecimento de umha revoluçom socialista.

A luita de massas foi utilizada durante todo o transcorrer da guerra polo partido vietnamita. Foi utilizada, em primeiro lugar, porque a guerra da guerrilha nom é mais do que umha expressom da luita de massas e nom se pode pensar nela quando esta está isolada do seu meio natural, que é o povo; a guerrilha significa, neste caso, a avançada numericamente inferior da grande maioria do povo que nom tem armas mas que exprime na sua vanguarda a vontade de triunfo. Aliás, a luita de massas foi utilizada nas cidades em todo o momento como arma imprescindível para o desenvolvimento da luita; é muito importante salientar que a luita de massas, no decurso da acçom pola libertaçom do povo vietnamita, nunca cedeu os seus direitos para acolher-se a determinadas concessons ao regime; nom parlamentou sobre concessons mútuas, colocou a necessidade de obter determinadas liberdades e garantias sem qualquer contrapartida, evitando assim que, em muitos sectores, a guerra se figesse mais cruel ainda do que a faziam os colonialistas franceses. Este significado da luita de massas no seu carácter dinámico, sem compromissos, dá-lhe umha importáncia fundamental à compreensom do problema da luita pola libertaçom na Latino-América.

O marxismo foi aplicado conseqüentemente à situaçom histórica concreta do Viet Nam, e por isso, guiados por um partido de vanguarda, fiel ao seu povo e conseqüente na sua doutrina, atingírom tam sonada vitória sobre os imperialistas.

As características da luita, em que houvo que ceder terreno e esperar muitos anos para ver o resultado final da vitória, com vaivéns, fluxos e refluxos, dam-lhe o carácter de guerra prolongada.

Durante todo o tempo da luita pudo-se dizer que a frente estava onde estava o inimigo; num momento dado, este ocupava quase todo o país e a frente estava espalhada por onde o inimigo estivesse; logo a seguir houvo umha delimitaçom de linhas de combate e ali havia umha frente principal, mas a retaguarda inimiga constituia constantemente um outro cenário para os bandos em luita, de maneira que a guerra foi totoal e que nunca os colonialistas pudérom mobilizar à vontade, num terreno de base sólida, as suas tropas de agressom contras zonas libertadas.

A palavra de ordem "dinamismo, iniciativa, mobilidade, decisom rápida ante situaçons novas", é síntese soma da táctica guerrilheira, e nessas poucas palavras está exprimido todo a dificílima arte da guerra popular.

Em certos momentos, as novas guerrilhas, alçadas sob a direcçom do partido, estavam ainda em lugares nos quais a penetraçom francesa era muito forte e a populaçom estava aterrorizada; nesses casos, praticavam constantemente o que os vietnamitas chamam a "propaganda armada". A propaganda armada é simplesmente a presença de forças de libertaçom em determinados lugares, que vam mostrando o seu poderio e a sua embatibilidade, submidos no grande mar do povo como peixe na água. A propaganda armada, ao perpetuar-se na zona, catalisava as massas com a sua presença e revolucionava imediatamente a regiom, acrescentando novos territórios aos já conseguidos polo exército do povo. É assim que proliferam as bases e as zonas guerrilheiras em todo o território vietnamita; a táctica, neste caso, estava resumida numha palavra de ordem que se expressa assim: se o inimigo se concentrar, perde terreno, se se diluir, perde força, no momento em que o inimigo se concentrar para atacar duramente, cumpre contraatacar em todos os lugares onde reunciou ao emprego disperso das suas forças; se o inimigo volta a ocupar determinados lugares com pequenos grupos, o contraataque fará-se consoante a correlaçom existente em cada lugar, mas a força fundamental de choque do inimigo terá-se diluido mais umha vez. Eis um outro dos ensinamentos fundamentais da guerra de libertaçom do povo vietnamita.

Na luita, tem-se passado por três etapas que caracterizam, em geral, o desenvolvimento da guerra do povo; inicia-se com guerrilhas de pequeño tamanho, de extraordinária mobilidade, diluíveis completamente na geografia física e humana da regiom: com o decorrer do tempo, produzem-se acontecimentos quantitativos que, num dado momento, dam passagem ao grande salto qualitativo que é a guerra de movimentos. Aqui som grupos mais compactos os que agem, dominando zonas inteiras; embora os seus meios sejam maiores e a sua capacidade de castigar o inimigo muito mais forte, a mobilidade é a sua característica fundamental. Depois de um outro período, quando maduram as condiçons, chega-se à etapa final da luita em que o exército se consolida e, inclusive, à guerra de posiçons, como aconteceu em Dien Bien Fu, pontilha à ditadura colonial.

No transcorrer da contenda que, dialecticamente, vai desenvolvenod-se até culminar, no ataque de Dien Bien Fu, em guerra de posiçons, criam-se zonas libertadas, ou semi-libertadas do inimigo, que constituem territórios de autodefesa. A autodefesa é concebida polos vietnamitas também num sentido activo como parte de umha luita única contra o inimigo; as zonas de autodefensa podem defender-se elas próprias de ataques limitados, subministram homens ao exército do povo, mantenhem a segurança interna da regiom, mantenhem a produçom e asseguram o abastecimento da frente. A autodefesa nom é nada mais do que umha parte mínima de um todo, com características especiais; nunca pode conceber-se umha zona de autodefesa como um todo em si, quer dizer, umha regiom onde as forças populares tentem defender-se do ataque do inimigo enquanto todo o território exterior à dita zona fica sem convulsons. Se assim acontecesse, o foco seria localizado, atenazado e abatido, a nom ser que passasse imediatamente à fase primeira da guerra do povo, quer dizer, à luita de guerrilhas. Como já temos dito, todo o processo da luita vietnamita deveu basear-se no campesinato.

Num primeiro momento, sem umha definiçom clara dos marcos da luita, esta fazia-se somente polo interesse da libertaçom nacional, mas aos poucos delimitavam-se os campos, transformavam-se numha típica guerra camponesa e a reforma agrária estabelecia-se no curso da luita, quando as contradiçons aprofundavam e, a um tempo, a força do exército do povo; é a manifestaçom da luita de classes dentro da sociedade em guerra. Esta era dirigida polo partido com o fim de anular a maior quantidade possível de inimigos e de utilizar ao máximo as contradiçons com o colonialismo dos amigos pouco firmes. Assim, conjugando acertadamente as contradiçons, é que o partido pudo aproveitar todas as forças emanadas destes choques e atingir o triunfo no menor tempo possível.

Narra-nos também o companheiro Vo Nguyen Giap a estreita ligaçom que existe entre o partido e o exército, como, nesta luita, o exército nom é senom umha parte do partido dirigente da luita. Da estreita ligaçom que existe por seu turno entre o exército e o povo; como o exército e o povo nom som senom a mesma cousa, o que mais umha vez se vê corroborado na síntese magnífica que figera Camilo: "o exército é o povo uniformado". O corpo armado, durante a luita e depois dela, deveu adquirir umha técnica nova, técnica que lhe permitirá ultrapassar as novas armas do inimigo e rejeitar qualquer tipo de ofensiva.

O soldado revolucionário tem umha disciplina consciente. Durante todo o processo, caracteriza-se fundamentalmente pola sua autodisciplina. Por sua vez, no exército do povo, respeitando todas as regras dos códigos militares, deve haver umha grande democracia interna e umha grande igualdade na obtençom dos bens necessários aos homens em luita.

Em todas estas manifestaçons, o general Nguyen Giap assinala o que nós conhecemos pola nossa própria experiência, experiência que se realiza alguns anos depois de conseguido o triunfo polas forças populares vietnamitas, mas que reforça a ideia da necessidade da análise profunda dos processos históricos do momento actual. Esta deve ser feita à luz do marxismo, utilizando toda a sua capacidade criadora, para poder adaptá-lo às circunstáncias diversas de países, dissímeis em todo o que di respeito ao aspecto exterior da sua conformaçom, mas iguais na estrutura colonizada, na existência de um poder imperialista opressor e de umha classe associada a ele por ligaçons muito estreitas. Após umha análise certeira, chega o general Giap à seguinte conclusom: "Na conjuntura actual do mundo, umha naçom, embora seja pequena e fraca, que se alce num só homem sob a direcçom da classe operária para luitar resoltamente pola sua independência e a democracia, tem a possibilidade moral e material de vencer todos os agressores, nom importa quais forem. Em condiçons históricas determinadas, esta luita pola libertaçom nacional pode passar por umha luita armada de longa duraçom -a resistência prolongadal- para atingir o triunfo". Estas palavras sintetizam as características gerais que deve assumir a guerra de libertaçom nos territórios dependentes.

Achamos que a melhor declaraçom para acabar o prólogo é a mesma que utilizam os editores deste livro e com a qual estamos identificados: "Oxalá que todos os nossos amigos que, como nós, sofrem ainda os ataques e as ameaças do imperialismo, podam encontrar em Guerra do povo, exército do povo, o que achamos nós próprios: novos motivos de fé e esperanças".


quinta-feira, 24 de julho de 2008

O NASCIMENTO DE UM EXERCITO: 3 - A marcha para o Sul


Desde o seu regresso ao país, na regiom fronteiriça, o tio Ho preocupara-se constantemente em conservar o contacto com o Comité Central que se encontrava no delta. Quando a oitava Sessom do Comité Central decidiu a formaçom de duas bases revolucionárias no Viet Bac, a ligaçom entre Cao Bang e a regiom de Bac Son-Vu Nhai tornou-se umha necessidade imperiosa.

Além da nossa rede de ligaçom clandestina, era-nos necessário urgentemente organizar entre Cao Bang e o delta outras numerosas ramificaçons nas populaçons locais. Assim, em caso de repressom, poderíamos conservar o contacto e preservar as possibilidades de contra-ataque.

Para estabelecer a ligaçom em direcçom do delta, tínhamos de passar por regions habitadas polos Tho e os Man de sapecas" . Começamos um trabalho de agitaçom entre estes últimos. Tal como os Man Brancos, os Man de sapecas som honestos e leais. Também eles estavam saturados com o imperialismo e prontos para a insurreiçom. A hospitalidade e a ajuda mútua eram de tradiçom entre eles. Entusiasmárom-se com a ideia de se juntar numha liga para expulsar os colonialistas e fascistas, mas só concediam a sua confiança após a prestaçom de um juramento solene, segundo os ritos tradicionais. Para lhes provar a nossa boa fé, tomamos parte nessas cerimónias. Juramos sobre as nossas cabeças unirmo-nos como irmaos no seio de umha mesma família para expulsar das nossas aldeias os japoneses e os franceses, em nome da Pátria, segundo o programa da Liga Viet Minh; juramos conservarmo-nos solidários nos momentos mais críticos e nunca trair a Liga, nem mesmo sob a tortura. Para selar os nossos juramentos, mergulhávamos um pau de incenso aceso na água ou cortávamos a cabeça de um frango com um golpe seco de machete.

A partir da altura em que o movimento assumiu maior envergadura, o inimigo desencadeou a repressom. Unidades de Ngan Son, Nguyen Binh e Cao Bang subírom até ao cantom de Kim Ma, que cercaram. Bloquearam todas as vias de comunicaçom, estradas e pistas, para dar caça aos militantes e deitar a mao aos nossos serviços clandestinos. Polo meu lado, eu estava em vias de abrir um curso político com o camarada Thiet Hung e, ainda por cima, sofria de umha crise de paludismo. A populaçom aconselhou-nos a abandonar a regiom: "Desta vez é umha grande operaçom. A tropa chegou até aqui para os prender, seria melhor suspenderem por um momento as actividades da liga e retirarem-se para a floresta." Assim que soubérom a notícia, o Tio Ho e o Comité inter-provincial enviárom-nos emissários para que voltássemos ao P.C., mas nós pensamos que, em tais circunstáncias, a nossa partida acarretava o desmembramento das organizaçons de base. Pedimos para ficar.

No mesmo dia, o inimigo entregou-se a umha caçada sem quartel. Guiados polos camaradas Khan e Lac, marchamos em linha recta, sob umha chuva diluviana, através da selva e dos campos, evitando as pistas, durante umha noite inteira. Até de manhá, escalamos cristas e galgamos encostas. De madrugada, o nevoeiro era tam espesso que nom se via a mais de três metros. Polo meio da manhá, quando a neblina se levantou, encontramo-nos no alto de um cabeço escalvado, nas proximidades de umha aldeia que os atiradores repescavam casa por casa. Deitamo-nos de barriga para baixo e rastejamos durante mais de um quilómetro para atingir a orla da floresta, onde retomamos a marcha. Ao meio dia, estávamos esgotados, ao ponto de nom conseguirmos pôr um pé adiante do outro, e foram os camaradas da regiom que, tomando-nos pola mao, nos figérom marchar até ao crepúsculo. Nessa altura, tínhamos atingido o local previsto, no cume de umha montanha muito elevada. Após a construçom, à pressa, de umha cabana para nos abrigar, arquitectamos um plano para retomar contacto com a populaçom e dirigir a acçom contra a repressom.

Depois desta marcha movimentada, eu e o camarada Thiet Hung fomos abalados pola febre durante dous meses e meio. Como medicamento, só tínhamos infusons de raízes "cu ao". Alguns dos nossos militantes, inquietos polo nosso estado de saúde, revestírom a túnica anilada das minorias Cho para ir implorar ao feiticeiro a nossa cura. Mas que podia o feiticeiro? Tivemos de esperar que a ligaçom fosse restabelecida. O camarada Cap, que véu do P.C. Para retomar o contacto conosco, trouxo-nos alguns comprimidos de quinino que nos aliviárom.

Na realidade, esta busca ainda nom passava de umha operaçom de pequena envergadura. Mas como era a primeira na regiom, nom deixou de nos causar sérias dificuldades. O movimento conheceu um recuo durante um certo tempo. Todavia, a propaganda e os cursos políticos continuavam. Depois, todo retomou. As associaçons para a salvaçom nacional, as organizaçons de autodefesa tinham-se retemperado na provaçom. No vale de Kim Ma, ressoou novamente o eco entusiástico dos comícios, preparando a insurreiçom. Depressa foi convocada a primeira Conferência dos Delegados das Minorias Man, que decidiu a criaçom da zona Quang Trung. O movimento retomara o seu fôlego. Por ocasiom do aniversário da Revoluçom de Outubro, os representantes dos cantons de Nguyen Binh e Ngan Son efectuaram umha conferência preparatória com vista à insurreiçom armada, com a participaçom de alguns trezentos delegados e de umha dezena de destacamentos de choque que figérom umha demonstraçom militar.

Para facilitar a nossa propaganda, pusemos em verso o programa da Liga Viet Minh. Eu traduzi-o, igualmente em verso, para o dialecto dos "Man de sapecas" e dos Man Brancos. Adaptamos novas letras sobre árias folclóricas para exaltar a revoluçom. O programa da Liga pro-pagava-se, assim, muito rapidamente e penetrava em profundidade nas massas. Ao chegar a umha aldeia que tínhamos ganho para a nossa causa, tive um dia a surpresa de ouvir raparigas e crianças recitar de cor os versos do programa da Liga, ao mesmo tempo que pilavam o arroz e cerdavam o algodom.

Quanto mais terreno a "marcha para o Sul" ganhava, mais quadros exigia. Correspondendo ao apelo do Comité interprovincial, umha centena de rapazes e de raparigas de Cao Bang abandonavam os seus lares para formar grupos de assalto armados. Arranjaram, polos seus próprios meios, armas, mosquetes ou granadas. O camarada Thiet Hung possuía um revólver caprichoso que falhava um tiro em cada dois. Quanto a mim, tinha umha granada fora de uso que pendurava do cinturom: um apoio moral nunca é para desprezar. Em estreita cooperaçom com os militantes locais, os grupos de assalto armados repartiram-se em diversas formaçons que se dirigírom para o sul em missom de propaganda. O grupo de assalto encarregado de dar início à operaçom partia em primeiro lugar.

Contactava os militantes locais para um trabalho de inquérito e de propaganda e depois levantava organizaçons de base. Vinha depois o grupo encarregado de consolidar os primeiros resultados. Fazia a escolha entre os simpatizantes dos elementos seguros e abria em sua intençom cursos políticos acelerados. Os quadros assim formados tornavam-se o fulcro da expansom do movimento.

Para acelerar o trabalho, em lugar de abordar simplesmente as aldeias pola ordem topográfica, dávamos às vezes um salto em frente. Quando as condiçons o permitiam, nom hesitávamos em enviar para longe um grupo de assalto, que se deslocava clandestinamente, para ir organizar umha aldeia onde as massas já estivessem mais ou menos consciencializadas. Este grupo alargava-se e estabelecia, pouco a pouco, o contacto com as antigas bases. Baptizamos este método de "táctica de paraquedismo".

No decurso da nossa marcha para o Sul, aconteceu-nos um incidente que merece ser relatado:

Acompanhando os progressos do movimento, eu descera, pouco a pouco, do cantom de Kim Ma até Agan Son para controlar o trabalho e abrir cursos de formaçom para os quadros regionais. Estava sobre umha montanha, nas proximidades da capital do distrito de Ngan Son, quando recebi umha carta urgente do camarada Tong: convocaçom imediata para o P. C. Voltei à pressa para Cao Bang. Assim que cheguei, os camaradas Tong e Vu Anh anunciárom-me que o Tio Ho tinha sido preso durante umha missom na China e que acabava de morrer de doença na prisom.

Eu estava a cem léguas de esperar umha tal notícia. todo começou a girar à minha volta. O Tio Ho já nom existia! Que perda para o nosso Partido, para o nosso povo! Discutimos a redacçom de um relatório para informar o Comité Central e a organizaçom de umha cerimónia em sua memória. O camarada Tong ficava encarregado de pronunciar a oraçom fúnebre. O camarada Cap trouxo a mala de verga do Tio Ho, onde pensávamos encontrar alguns objectos para conservar como recordaçom. Projectamos também enviar o camarada Cap à China para tentar localizar o túmulo.

Alguns dias mais tarde, eu retomava o caminho para continuar a minha missom. Nunca esquecerei aquela noite em que, em companhia de um camarada de "marcha para o Sul", atravessei montanhas desertas, cobertas de capim. Fazia um frio cortante. Comprimia-me umha tristeza infinita. Sentia-me como que abandonado. De lágrimas nos olhos, olhava as estrelas na imensidade do céu.

Aigum tempo depois, recebemos um jornal enviado da China. À margem, algumhas linhas em caracteres chineses. Eram do punho do Tio Hol

"Para todos, boa saúde e muita coragem no trabalho. Aqui, todo vai bem".

Seguiam alguns versos:

"As nuvens abraçam os montes
os montes estreitam as nuvens
O rio é um espelho que nada embacia
Sobre a crista dos montes do Oeste
Solitário, caminho, emocionado
Perscruto, ao longe, o céu do Sul
E penso nos meus amigos."

A nossa alegria foi inenarrável.

Fomos mostrar o jornal ao camarada Cap:

- Entom, que quer isto dizer?

- Eu mesmo nom percebo nada, respondeu-nos ele. Foi o próprio governador de Kuomintang que me anunciou, quando eu estava na China, que Nguyen Ai Quoc tinha morrido.

Nós pressionávamos Cap com perguntas:

- Tenta lembrar-te. Que disse ele exactamente em chinês?

Cap acabou por se recordar: o governador chinês, ao falar do Tio Ho, pronunciara as palavras "su lo, su lo" que significam "bem, bem" mas o nosso camarada tinha-as interpretado mal porque basta umha mudança no acento tónico da primeira palavra para que a expressom signifique "já morto, já morto".

Fomos sacudidos por um louco ataque de riso. Mas o facto é que tínhamos carregado este peso no coraçom durante meses e meses.

Por volta de Agosto de 1943, a estrada para o Sul estava aberta. Foi essa que tomei para me dirigir ao delta, a fim de lá encontrar o camarada Ba, isto é, Chu Van Tan.

Tínhamos conseguido organizar as massas num sector bastante vasto. A nossa pista atravessava várias cadeias de montanhas e diversos vales, ao passar polas aldeias das minorias Tho, "Man de sapecas" e Man vermelhos.

Por toda a parte, à minha passagem, reinava umha atmosfera febril de preparativos para a insurreiçom. O moral da populaçom era excelente. As minorias Tho, tal como as minorias Man, estavam ganhas para a nossa causa. Elas reservavam aos revolucionários um acolhimento dos mais calorosos. Todas as aldeias Man que se escalonavam na estrada em direcçom ao cume do Monte Phia Booc (um dos cumes mais elevados da regiom, no qual nom cessa de chuviscar, ao longo de todo o ano, mesmo quando fai bom tempo no vale) trabalhavam para o Viet Minh; as mulheres e as crianças sabiam de cor os versos do programa da Liga em língua Man, bem como várias cançons revolucionárias. Quando os denunciantes subiam até lá, a populaçom fazia todo para esconder e proteger os revolucionários. Nom hesitava mesmo, em caso de necessidade, em nos arranjar esconderijos seguros sob o próprio altar dos génios tutelares, que som lugares absolutamente tabus para os estrangeiros.

Depois de quinze dias de marcha, cheguei perto de Cho Chu por um carreiro montanhoso que passava por cima do posto de Coe. Mais alguns passos e estaria no ponto de encontro. Encontrei o camarada Chu Van Tan num "ray" , em plena selva. Torna-se inútil relatar a nossa alegria! Convocamos imediatamente um certo número de quadros de Bac Son que se encarregavam da agitaçom no local e outros da marcha "para o Sul" para umha troca de impressons. Seguidamente, organizamos umha festa íntima; quando a noite caiu, dormimos ao ar livre sob as folhas da latánia.

O camarada Tan traçou-nos um quadro da situaçom em Thsi Nguyen e no delta. As nossas organizaçons de base tinham-se implantado fortemente em Bac Son e Vu Nhai e o movimento ganhava as regions de Cho Chu e Dai Tu. O inimigo prosseguia na sua politica de repressom. O camarada Tan contou-nos ainda que tinha sido enviado um relatório ao Comité Central, que nos ia enviar imediatamente um dos seus membros. Anunciavam-nos a sua chegada iminente para cada dia; mas decorrêrom duas semanas sem que o víssemos aparecer. A repressom era tam intensa que nenguma pista se revelava segura. Tive de voltar para Cao Bang, tal como fora previsto a princípio. Eu tinha aproveitado estes dias de espera para escrever umha brochura sobre "A experiência da Liga Viet Minh no Viet Bac", destinada a ser enviada para o delta.

Cheguei a Cao Bang, na véspera da festa do Têt. No último dia do ano lunar, a maioria dos quadros e umha vintena de destacamentos de assalto armados da "marcha para o Sul" reuniram-se para festejar os nossos sucessos. A Liga Viet Minh e a Federaçom do Partido em Cao-Bac-Lang enviárom-nos um galhardete que trazia bordadas as palavras "Assalto vitorioso".

Nesse preciso momento, o inimigo desencadeava o terror branco.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O NASCIMENTO DE UM EXÉRCITO: 2 - O movimento arma-se


Por Vo Nguyen Giap

Com o andar do tempo, as nossas actívidades na China foram assinaladas polos agentes do Kuomingtang. Recebemos ordem de regressar ao país para umha nova missom.

Nos fins de 1941, eu e o camarada Tong (um dos pseudônimos de Pham Van Long) atravessamos a fronteira. O movimento em Cao Bang estava bem lançado, em muitos outros sítios começava a despontar apenas.

A Liga Víet Minh atingia já numerosos distritos. As minorias Trio e Nung aderiam com entusiasmo às Associaçons para a salvaçom nacional. Rapazes e raparigas constituíam-se em vanguarda, tanto para a propaganda e organizaçom como para o treino militar. As mulheres nom eram as menos resolutas. Em numerosas regions as crianças também se alistavam e serviam como agentes de ligaçom ou como vigias. As células do Partido ganhavam terreno nas comunas, onde o movimento era particuíarmente poderoso. Algumhas comunas, a cem por cento, começaram a aparecer a pouco e pouco, mais tarde cantons e distritos.

Nessas comunas, o Comité Viet Minh substituía-se inteiramente às autoridades legais para dirigir todos os assuntos, desde a celebraçom dos casamentos até às querelas por causa dos arrozais. A maioria dos notáveis aliavam-se à nossa causa, uns por simpatia com o movimento, outros militando abertamente no seio das associaçons para a salvaçom nacional. Os raros elementos reaccionários que sobravam, encontravam-se politicamente isolados e sob estreita vigiláncia. Estabelecia-se na base umha espécie de poder de dupla face: os notáveis, antes de irem ao distrito ou à província, vinham pedir as dírectivas ao Comité Viet Minh e, mal regressavam à aldeia, apresentavam-lhe um relatório pormenorizado.

Passava-se o mesmo com os milicianos. Na sua maioria, estavam aglutinados por nós, se é que nom eram mais ou menos simpatizantes. Para travar a escalada revolucionária, as autoridades superiores tinham dado ordem de reforçar a vigiláncia aos escalons subalternos. Cada aldeia possuía dous a três pontos de guarda. Mas como os milicianos e a populaçom local estavam do nosso lado, os postos de guarda do inimigo tornavam-se, de facto, os nossos próprios postos, e um certo número deles servia de passagem nas nossas lides clandestinas de ligaçom.

O movimento atingira igualmente as alturas habitadas pola minoria dos "Man Brancos". Estes montanheses viviam umha vida das mais miseráveis, em regions áridas, dificilmente acessíveis. Estas montanhas escarpadas eram escaladas por raras veredas, muito acidentadas. Os Man, sob a pressom dos colonialistas franceses e dos seus lacaios, mandarins e notáveis, só esperavam umha ocasiom para se revoltar. Manifestaram umha intensa alegria quando vírom pola primeira vez quadros do Viet Minh. Ficaram impressionados ao ver os Kinh, os Tho e os Man, que a política colonialista francesa tinha lançado, outrora, uns contra os outros, unirem-se fraternamente assim que passavam a militar no seio das associaçons para a salvaçom nacional. A organizaçom do Partido eclodiu rapidamente entre eles.

A uniom nacional era um dos traços mais vincados do movimento. Logo nos primeiros dias da luita clandestina, em Cao Bang, organizámos, com êxito, vários encontros amigáveis entre os delegados das diferentes minorias Tho, Man, Mung, Kinh, Chinesa, etc. Algumhas delegaçons de Man tinham efectuado visitas de cortesia no vale. Todas recebêrom um acolhimento caloroso por parte da populaçom local. De volta, essas delegaçons relatavam fielmente as suas impressons de viagem aos compatriotas. Periodicamente, nos vales e nas terras altas, organizávamos pequenas exposiçons de fotografias e gravuras sobre os crimes dos colonialistas franceses e dos fascistas japoneses e sobre a escalada das forças revolucionárias. Nessa ocasiom, mostrávamos as armas e a bandeira da Revoluçom e dávamos-lhes a conhecer a U. R. S. S. e a revoluçom mundial.

Algum tempo depois, o Comité provincial de Cao Bang foi reorganizado. No princípio de Novembro de 1942, tivo lugar o Congresso da Liga Viet Minh de Cao Bang, no decurso do qual foi eleito o Comité provincial. O aparelho de organizaçom da Liga estava a postos, doravante, do escalom da comuna ao da província, passando polo cantom e polo distrito. Nos cantons e distritos "a cem por cento" organizárom-se eleiçons democráticas a partir do escalom comunal. Após o que se formou o Comité interprovincíal de Ca-Bac-Lang (províncias de Cao Bang, Lang Son e Bac San).

Ligávamos a maior importáncia à educaçom política, para disseminar o movimento.

- É preciso primeiro conquistar o povo, dizia o Tio Ho, antes de abordar o problema da insurreiçom.

Para alargar e consolidar as organizaçons de base, abriram-se numerosos cursos de formaçom política acelerada nos diversos distritos. Mas os militantes de base gostavam pouco de abandonar as suas vilas e aldeias: isso prejudicava os trabalhos nos campos, sem contar que se arriscavam a ficar "queimados". Para superar estas dificuldades, os "instrutores" foram organizados em equipas móveis. Cada localidade tinha de preparar um centro clandestino, fonge da aldeia, onde os militantes fossem, por turnos, com víveres, para seguir cursos, durante cinco a sete dias. Ao fim de um certo tempo, quase todos os militantes das aldeias tinham passado por estes estágios. O Comité interprovincial decidiu abrir novos cursos a nível superior destinados a receber rapazes e raparigas que nom figessem parte dos Comités executivos das organizaçons de base. Eram numerosos os elementos de confiança que, nas associaçons para a salvaçom nacional, pediam para frequentar estes cursos. No final de cada estágio, invariavelmente, organizávamos umha pequena festa de amizade, para a qual eram convidados os delegados de todas as camadas da populaçom: cantava-se, dançava-se, hauriam-se novas forças para as tarefai futuras.

O Tio Ho ensinava directamente aos militantes e, às vezes, aos camponeses, na vizinhança do P. C. Os militantes locais, à parte um pequeno número, nom conheciam a língua vietnamita. As mulheres, sobretudo, ignoravam-na completamente. O Tio Ho recomendou-nos, portanto, com a maior instáncia, que aprendêssemos o Tho. Com os Man Brancos tínhamos mesmo de recorrer ao desenho para fazer compreender as nossas ideias. Para fazer compreender que franceses e japoneses exploravam o nosso povo, representávamos um francês 0 um japonês batendo em vietnamitas ou um camponês esmagado sob o peso dos impostos e dos trabalhos. Desenhávamos também um Kinh, um Man e um Tho caminhando de mao dada, para sublinhar a necessidade da uniom nacional contra o invasor. Só mais tarde é que as minorias Man tivérom a sua própria escrita. O conteúdo destes cursos era muito simples: depois da exposiçom sumária da situaçom nacional e internacional, nós explicávamos por que razom devíamos travar a luita contra os franceses e os japoneses; falamos depois da preparaçom para a insurreiçom armada, da organizaçom das associaçons para a salvaçom nacional, dos destacamentos de autodefesa, e, por fim, dos cinco pontos do trabalho clandestino. Ensinávamos, assim, a maneira de presidir às reunions, de usar da palavra em público, etc. ...

Eu era responsável por um desses grupos de instrutores. O nosso campo de actividades estendia-se sobre as regions de Hoa An e Nguyen Binh, povoadas de minorias Man Brancos. Todos estes cursos políticos obtivérom um grande sucesso. Aconteceu-me, todavia, um acidente de que sempre me recordarei. Julguei proceder bem, explicando aos militantes, fora do programa habitual, as quatro contradiçons da conjuntura internacional. Depois da última liçom, um dos melhores elementos, a que dávamos o nome de De Tham, levantou a mao para pedir a palavra:

- Pido-lhe que me autorize a retirar-me da Associaçom.

- Mas entom porquê, camarada?

- Eu estou pronto para fazer na Liga todo o que me for pedido. Mas esses estudos som muito difíceis. Nom consigo meter todo isso na cabeça e tenho receio de nom estar à altura.

Eu acabava de receber umha boa liçom: tinha-me esforçado por compor um programa de fácil compreensom, que correspondesse ao nível dos meus alunos, e eis que o camarada De Tham pedia para nos abandonar, porque eu tinha acrescentado ao meu curso... as quatro contradiçons...

Por fins de 1941, o Tio Ho deu ordem, de Pac Bo, para organizar o primeiro destacamento armado de Cao Bang. O grupo compreendia os camaradas Hoang Sam, Bang Giang, Le Tie Thung, Duc Thanh, Tho An, etc..., sob o comando do camarada Le Quang Ba. O destacamento tinha por missom assegurar a protecçom do P. C, consolidar e manter a rede de comunicaçons, ao mesmo tempo que participava na formaçom militar dos milicianos de autodefesa e dos milicianos de choque.

Nas regions conquistadas polo movimento revolucionário, a populaçom, que aderia em massa às associaçons para a salvaçom nacional, organizou entre os jovens alguns destacamentos de autodefesa. O problema da formaçom militar punha-se imperiosamente. De todos os lados se reclamavam quadros militares, de que carecíamos cruelmente. Aqueles de entre nós que possuíam alguns rudimentos tivérom, portanto, de participar nesse trabalho. Tal foi o caso dos camaradas Triet Hung, Le Quang Ba, Hoang Sam e Cap. Foi preciso pensar em escrever umhas brochuras. O Tio Ho redigiu um texto sobre a táctica de guerrilha, em termos simples, fáceis de compreender. O Comité interprovincial, por sua parte, deu ordem para compor o programa de formaçom militar e decidiu adoptar instruçons unificadas. Nom era umha tarefa fácil, porque era inteiramente nova para nós. Quando, por falta de prática de comando, o simples facto de escandir "um, dous" embaraça os monitores, que dizer entom da tropa?

O movimento do treino militar tomou um grande impulso. Cada período durava de cinco a sete dias, sempre que os trabalhos do campo o permitiam. Assim que as organizaçons de autodefesa recebêrom todas a instruçom militar, levantárom-se destacamentos de autodefesa e de assalto, cujos membros foram escolhidos entre os milicianos mais corajosos. Pode-se dizer que nas aldeias "a cem por cento" todos os jovens, praticamente, entrárom nas formaçons de autodefesa e seguírom um ou mesmo dous períodos de treino. Cada aldeia contava umha ou duas secçons de autodefesa e de assalto, bem organizadas e bem treinadas.

Ao mesmo tempo, o Comité interprovincial organizava cursos para formaçom de quadros militares. Estes cursos duravam, em geral, um mês, com cinqüenta a sessenta alunos em cada promoçom.

Apesar de todos os entraves nascidos do próprio facto da clandestinidade, as escolas edificadas na floresta nom eram isentas de envergadura. Qual nom foi a estupefacçom do inimigo quando conseguiu descobrir a localizaçom da escola militar da terceira promoçom do cantom de Kim Ma; encontrou grandes edifícios, cobertos de folhas de palmeira, bastante vastos para abrigar centenas de pessoas. Nom faltava nada: anfiteatro, dormitórios, refeitórios, salas de armas, terrenos de exercícios de cinqüenta, sessenta lances... No fim de 1943, na regiom de Nuoc Nai, no distrito de Hon An, pôde-se assistir em pleno dia a revistas de tropas e a manobras que compreendiam quatrocentos e quinhentos combatentes, às vezes mesmo mil, numha regiom que englobava vários cantons. Este rápido crescimento das Forças Armadas traduz bem o ambiente entusiástico que preludiava a insurreiçom geral.

O abastecimento de armas e muniçons punha um problema de nom menor gravidade. Cada miliciano da autodefesa devia arranjar a sua própria arma: sabre, punhal, carabina de caça ou espingarda. Em certos sítios, era a própria populaçom que, através de peditórios, comprava na China mosquetes de fabrico local. Cada miliciano também se devia munir com um rolo de corda para se treinar na captura dos traidores. O Comité interprovincial decidiu instalar umha forja para experimentar fabricar granadas e minas. Esta oficina, colocada sob a responsabilidade do camarada Cap, agrupava cinco ou seis operários. As matérias-primas eram fornecidas pola populaçom loca), que enviava pratos de cobre, marmitas de ferro fundido ou bacias de folha. A escolha de localizaçom foi delicada: decidimo-nos, por fim, por um vale encaixado atrás da cadeia do Blockhaus Vermelho, o que abafava os ruídos dos martelos na bigorna. Depois de alguns meses de experiências arrazantes, a primeira mina viu a luz do dia. Na experiência, cada umha das partes que a constituía, tomada separadamente, revelou-se plenamente satisfatória. No dia J. os camaradas Vu Anh e Tong convidárom-me para vir ver explodir a mina. O local escolhido era próximo da forja, num circo de altas falésias rochosas. A mina foi colocada numha cavidade, no sopé da montanha, enquanto que os espectadores se instalavam nos cimos, atrás de grandes rochedos, para se proteger dos estilhaços. Umha corda de cem metros comandava a explosom. Nós esperávamos, com o coraçom palpitante. O camarada Cap gritou: "Fogo!" Nós tínhamos os olhos fixados na mina. Libertou-se um pouco de fumo... depois, mais nada... Nem a menor explosom.

Um camarada das minorias Tho desatou a rir e gritou no seu dialecto: "Te nang du Ty" (continua sentada no sítio).

Assim falhou o nosso primeiro ensaio.

Mas o camarada Cap nom se desencorajou. Continuou encarniçadamente as pesquisas e acabou por conseguir.

Esta famosa forja funcionou até à Revoluçom de Agosto e foi ampliada com o andar do tempo: tornou-se a oficina de armamento Sam Lon, que prestou imensos serviços durante a resistência, fornecendo regularmente a frente com armas e muniçons. A forja do Blockhaus Vermelho foi, por assim dizer, a nossa primeira oficina de armamento.