BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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quarta-feira, 23 de julho de 2008

O NASCIMENTO DE UM EXÉRCITO: 2 - O movimento arma-se


Por Vo Nguyen Giap

Com o andar do tempo, as nossas actívidades na China foram assinaladas polos agentes do Kuomingtang. Recebemos ordem de regressar ao país para umha nova missom.

Nos fins de 1941, eu e o camarada Tong (um dos pseudônimos de Pham Van Long) atravessamos a fronteira. O movimento em Cao Bang estava bem lançado, em muitos outros sítios começava a despontar apenas.

A Liga Víet Minh atingia já numerosos distritos. As minorias Trio e Nung aderiam com entusiasmo às Associaçons para a salvaçom nacional. Rapazes e raparigas constituíam-se em vanguarda, tanto para a propaganda e organizaçom como para o treino militar. As mulheres nom eram as menos resolutas. Em numerosas regions as crianças também se alistavam e serviam como agentes de ligaçom ou como vigias. As células do Partido ganhavam terreno nas comunas, onde o movimento era particuíarmente poderoso. Algumhas comunas, a cem por cento, começaram a aparecer a pouco e pouco, mais tarde cantons e distritos.

Nessas comunas, o Comité Viet Minh substituía-se inteiramente às autoridades legais para dirigir todos os assuntos, desde a celebraçom dos casamentos até às querelas por causa dos arrozais. A maioria dos notáveis aliavam-se à nossa causa, uns por simpatia com o movimento, outros militando abertamente no seio das associaçons para a salvaçom nacional. Os raros elementos reaccionários que sobravam, encontravam-se politicamente isolados e sob estreita vigiláncia. Estabelecia-se na base umha espécie de poder de dupla face: os notáveis, antes de irem ao distrito ou à província, vinham pedir as dírectivas ao Comité Viet Minh e, mal regressavam à aldeia, apresentavam-lhe um relatório pormenorizado.

Passava-se o mesmo com os milicianos. Na sua maioria, estavam aglutinados por nós, se é que nom eram mais ou menos simpatizantes. Para travar a escalada revolucionária, as autoridades superiores tinham dado ordem de reforçar a vigiláncia aos escalons subalternos. Cada aldeia possuía dous a três pontos de guarda. Mas como os milicianos e a populaçom local estavam do nosso lado, os postos de guarda do inimigo tornavam-se, de facto, os nossos próprios postos, e um certo número deles servia de passagem nas nossas lides clandestinas de ligaçom.

O movimento atingira igualmente as alturas habitadas pola minoria dos "Man Brancos". Estes montanheses viviam umha vida das mais miseráveis, em regions áridas, dificilmente acessíveis. Estas montanhas escarpadas eram escaladas por raras veredas, muito acidentadas. Os Man, sob a pressom dos colonialistas franceses e dos seus lacaios, mandarins e notáveis, só esperavam umha ocasiom para se revoltar. Manifestaram umha intensa alegria quando vírom pola primeira vez quadros do Viet Minh. Ficaram impressionados ao ver os Kinh, os Tho e os Man, que a política colonialista francesa tinha lançado, outrora, uns contra os outros, unirem-se fraternamente assim que passavam a militar no seio das associaçons para a salvaçom nacional. A organizaçom do Partido eclodiu rapidamente entre eles.

A uniom nacional era um dos traços mais vincados do movimento. Logo nos primeiros dias da luita clandestina, em Cao Bang, organizámos, com êxito, vários encontros amigáveis entre os delegados das diferentes minorias Tho, Man, Mung, Kinh, Chinesa, etc. Algumhas delegaçons de Man tinham efectuado visitas de cortesia no vale. Todas recebêrom um acolhimento caloroso por parte da populaçom local. De volta, essas delegaçons relatavam fielmente as suas impressons de viagem aos compatriotas. Periodicamente, nos vales e nas terras altas, organizávamos pequenas exposiçons de fotografias e gravuras sobre os crimes dos colonialistas franceses e dos fascistas japoneses e sobre a escalada das forças revolucionárias. Nessa ocasiom, mostrávamos as armas e a bandeira da Revoluçom e dávamos-lhes a conhecer a U. R. S. S. e a revoluçom mundial.

Algum tempo depois, o Comité provincial de Cao Bang foi reorganizado. No princípio de Novembro de 1942, tivo lugar o Congresso da Liga Viet Minh de Cao Bang, no decurso do qual foi eleito o Comité provincial. O aparelho de organizaçom da Liga estava a postos, doravante, do escalom da comuna ao da província, passando polo cantom e polo distrito. Nos cantons e distritos "a cem por cento" organizárom-se eleiçons democráticas a partir do escalom comunal. Após o que se formou o Comité interprovincíal de Ca-Bac-Lang (províncias de Cao Bang, Lang Son e Bac San).

Ligávamos a maior importáncia à educaçom política, para disseminar o movimento.

- É preciso primeiro conquistar o povo, dizia o Tio Ho, antes de abordar o problema da insurreiçom.

Para alargar e consolidar as organizaçons de base, abriram-se numerosos cursos de formaçom política acelerada nos diversos distritos. Mas os militantes de base gostavam pouco de abandonar as suas vilas e aldeias: isso prejudicava os trabalhos nos campos, sem contar que se arriscavam a ficar "queimados". Para superar estas dificuldades, os "instrutores" foram organizados em equipas móveis. Cada localidade tinha de preparar um centro clandestino, fonge da aldeia, onde os militantes fossem, por turnos, com víveres, para seguir cursos, durante cinco a sete dias. Ao fim de um certo tempo, quase todos os militantes das aldeias tinham passado por estes estágios. O Comité interprovincial decidiu abrir novos cursos a nível superior destinados a receber rapazes e raparigas que nom figessem parte dos Comités executivos das organizaçons de base. Eram numerosos os elementos de confiança que, nas associaçons para a salvaçom nacional, pediam para frequentar estes cursos. No final de cada estágio, invariavelmente, organizávamos umha pequena festa de amizade, para a qual eram convidados os delegados de todas as camadas da populaçom: cantava-se, dançava-se, hauriam-se novas forças para as tarefai futuras.

O Tio Ho ensinava directamente aos militantes e, às vezes, aos camponeses, na vizinhança do P. C. Os militantes locais, à parte um pequeno número, nom conheciam a língua vietnamita. As mulheres, sobretudo, ignoravam-na completamente. O Tio Ho recomendou-nos, portanto, com a maior instáncia, que aprendêssemos o Tho. Com os Man Brancos tínhamos mesmo de recorrer ao desenho para fazer compreender as nossas ideias. Para fazer compreender que franceses e japoneses exploravam o nosso povo, representávamos um francês 0 um japonês batendo em vietnamitas ou um camponês esmagado sob o peso dos impostos e dos trabalhos. Desenhávamos também um Kinh, um Man e um Tho caminhando de mao dada, para sublinhar a necessidade da uniom nacional contra o invasor. Só mais tarde é que as minorias Man tivérom a sua própria escrita. O conteúdo destes cursos era muito simples: depois da exposiçom sumária da situaçom nacional e internacional, nós explicávamos por que razom devíamos travar a luita contra os franceses e os japoneses; falamos depois da preparaçom para a insurreiçom armada, da organizaçom das associaçons para a salvaçom nacional, dos destacamentos de autodefesa, e, por fim, dos cinco pontos do trabalho clandestino. Ensinávamos, assim, a maneira de presidir às reunions, de usar da palavra em público, etc. ...

Eu era responsável por um desses grupos de instrutores. O nosso campo de actividades estendia-se sobre as regions de Hoa An e Nguyen Binh, povoadas de minorias Man Brancos. Todos estes cursos políticos obtivérom um grande sucesso. Aconteceu-me, todavia, um acidente de que sempre me recordarei. Julguei proceder bem, explicando aos militantes, fora do programa habitual, as quatro contradiçons da conjuntura internacional. Depois da última liçom, um dos melhores elementos, a que dávamos o nome de De Tham, levantou a mao para pedir a palavra:

- Pido-lhe que me autorize a retirar-me da Associaçom.

- Mas entom porquê, camarada?

- Eu estou pronto para fazer na Liga todo o que me for pedido. Mas esses estudos som muito difíceis. Nom consigo meter todo isso na cabeça e tenho receio de nom estar à altura.

Eu acabava de receber umha boa liçom: tinha-me esforçado por compor um programa de fácil compreensom, que correspondesse ao nível dos meus alunos, e eis que o camarada De Tham pedia para nos abandonar, porque eu tinha acrescentado ao meu curso... as quatro contradiçons...

Por fins de 1941, o Tio Ho deu ordem, de Pac Bo, para organizar o primeiro destacamento armado de Cao Bang. O grupo compreendia os camaradas Hoang Sam, Bang Giang, Le Tie Thung, Duc Thanh, Tho An, etc..., sob o comando do camarada Le Quang Ba. O destacamento tinha por missom assegurar a protecçom do P. C, consolidar e manter a rede de comunicaçons, ao mesmo tempo que participava na formaçom militar dos milicianos de autodefesa e dos milicianos de choque.

Nas regions conquistadas polo movimento revolucionário, a populaçom, que aderia em massa às associaçons para a salvaçom nacional, organizou entre os jovens alguns destacamentos de autodefesa. O problema da formaçom militar punha-se imperiosamente. De todos os lados se reclamavam quadros militares, de que carecíamos cruelmente. Aqueles de entre nós que possuíam alguns rudimentos tivérom, portanto, de participar nesse trabalho. Tal foi o caso dos camaradas Triet Hung, Le Quang Ba, Hoang Sam e Cap. Foi preciso pensar em escrever umhas brochuras. O Tio Ho redigiu um texto sobre a táctica de guerrilha, em termos simples, fáceis de compreender. O Comité interprovincial, por sua parte, deu ordem para compor o programa de formaçom militar e decidiu adoptar instruçons unificadas. Nom era umha tarefa fácil, porque era inteiramente nova para nós. Quando, por falta de prática de comando, o simples facto de escandir "um, dous" embaraça os monitores, que dizer entom da tropa?

O movimento do treino militar tomou um grande impulso. Cada período durava de cinco a sete dias, sempre que os trabalhos do campo o permitiam. Assim que as organizaçons de autodefesa recebêrom todas a instruçom militar, levantárom-se destacamentos de autodefesa e de assalto, cujos membros foram escolhidos entre os milicianos mais corajosos. Pode-se dizer que nas aldeias "a cem por cento" todos os jovens, praticamente, entrárom nas formaçons de autodefesa e seguírom um ou mesmo dous períodos de treino. Cada aldeia contava umha ou duas secçons de autodefesa e de assalto, bem organizadas e bem treinadas.

Ao mesmo tempo, o Comité interprovincial organizava cursos para formaçom de quadros militares. Estes cursos duravam, em geral, um mês, com cinqüenta a sessenta alunos em cada promoçom.

Apesar de todos os entraves nascidos do próprio facto da clandestinidade, as escolas edificadas na floresta nom eram isentas de envergadura. Qual nom foi a estupefacçom do inimigo quando conseguiu descobrir a localizaçom da escola militar da terceira promoçom do cantom de Kim Ma; encontrou grandes edifícios, cobertos de folhas de palmeira, bastante vastos para abrigar centenas de pessoas. Nom faltava nada: anfiteatro, dormitórios, refeitórios, salas de armas, terrenos de exercícios de cinqüenta, sessenta lances... No fim de 1943, na regiom de Nuoc Nai, no distrito de Hon An, pôde-se assistir em pleno dia a revistas de tropas e a manobras que compreendiam quatrocentos e quinhentos combatentes, às vezes mesmo mil, numha regiom que englobava vários cantons. Este rápido crescimento das Forças Armadas traduz bem o ambiente entusiástico que preludiava a insurreiçom geral.

O abastecimento de armas e muniçons punha um problema de nom menor gravidade. Cada miliciano da autodefesa devia arranjar a sua própria arma: sabre, punhal, carabina de caça ou espingarda. Em certos sítios, era a própria populaçom que, através de peditórios, comprava na China mosquetes de fabrico local. Cada miliciano também se devia munir com um rolo de corda para se treinar na captura dos traidores. O Comité interprovincial decidiu instalar umha forja para experimentar fabricar granadas e minas. Esta oficina, colocada sob a responsabilidade do camarada Cap, agrupava cinco ou seis operários. As matérias-primas eram fornecidas pola populaçom loca), que enviava pratos de cobre, marmitas de ferro fundido ou bacias de folha. A escolha de localizaçom foi delicada: decidimo-nos, por fim, por um vale encaixado atrás da cadeia do Blockhaus Vermelho, o que abafava os ruídos dos martelos na bigorna. Depois de alguns meses de experiências arrazantes, a primeira mina viu a luz do dia. Na experiência, cada umha das partes que a constituía, tomada separadamente, revelou-se plenamente satisfatória. No dia J. os camaradas Vu Anh e Tong convidárom-me para vir ver explodir a mina. O local escolhido era próximo da forja, num circo de altas falésias rochosas. A mina foi colocada numha cavidade, no sopé da montanha, enquanto que os espectadores se instalavam nos cimos, atrás de grandes rochedos, para se proteger dos estilhaços. Umha corda de cem metros comandava a explosom. Nós esperávamos, com o coraçom palpitante. O camarada Cap gritou: "Fogo!" Nós tínhamos os olhos fixados na mina. Libertou-se um pouco de fumo... depois, mais nada... Nem a menor explosom.

Um camarada das minorias Tho desatou a rir e gritou no seu dialecto: "Te nang du Ty" (continua sentada no sítio).

Assim falhou o nosso primeiro ensaio.

Mas o camarada Cap nom se desencorajou. Continuou encarniçadamente as pesquisas e acabou por conseguir.

Esta famosa forja funcionou até à Revoluçom de Agosto e foi ampliada com o andar do tempo: tornou-se a oficina de armamento Sam Lon, que prestou imensos serviços durante a resistência, fornecendo regularmente a frente com armas e muniçons. A forja do Blockhaus Vermelho foi, por assim dizer, a nossa primeira oficina de armamento.