BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

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quinta-feira, 20 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: Pino del Agua


Depois do encontro com Fidel, em 29 de agosto, marchamos alguns dias, juntos às vezes e outras separando-nos alguma distância, mas com o objetivo de passar unidos pelo serraria de Pino del Agua. Nesse momento tínhamos notícias de que em Pino del Agua, não havia tropa inimiga ou, em todo o caso, uma pequena guarnição.

Tínhamos nossas forças distribuídas na parte lateral do caminho que ascende de Guisa. O lugar eleito permitia avistar os caminhões desde muito longe. O plano era simples; se dispararia de ambos lados e pararíamos o primeiro caminhão numa curva iniciando o fogo contra os outros que seguissem; para detê-los, pensando que podíamos tomar três a quatro veículos se a surpresa resultava. O pelotão que agiria era das melhores armas e estava reforçado por gente do capitão Raúl Castro Mercarder.

Estivemos, aproximadamente, sete dias emboscados pacientemente sem ver chegar as tropas. Ao sétimo, quando estava no pequeno estado maior onde se fazia a comida para toda a tropa emboscada, me avisara que o inimigo se aproximava.

Nossas forças se preparavam para o combate; no lugar principal colocaram-se os homens que estavam ao comando do capitao Ignácio Pérez e deviam parar o primeiro caminhão e, lateralmente, os demais que atirariam sobre os vários veículos. Vinte minutos antes do combate desencadeou-se uma chuva torrencial, coisa habitual na Sierra, que nos ensopou até os ossos, mas os soldados inimigos iam ainda mais preocupados pela água que pelas possibilidades de um ataque e disto nos servimos para a surpresa. O encarregado de abrir fogo tinha uma metralhadora Thompson; efetivamente abriu fogo com ela, mas em tais condições que não atingiu a ninguém; se generalizou o tiroteio e os soldados do primeiro caminhão, mais assustados que feridos pela ação, saltaram à estrada e se perderam atrás do farelhão depois de matar um grande combatente, poeta de nossa coluna, a quem nós dizíamos Crucito, chamado José de la Cruz.

Retiramo-nos de Pino del Agua por vários caminhos, voltando à zona de Pico Verde para reorganizar-nos e esperar a chegada do companheiro Fidel, quem já tinha conhecimento do encontro.

Próxima passagem da guerra revolucionária: Luta Contra o Banditismo

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: O Combate de El Hombrito

, por Cmte. Ernesto Che Guevara

A coluna formada tinha só um mês de vida e já começávamos as tentativas de nossa vida sedentária na Sierra Maestra. Estávamos no vale chamado El Hombrito.

Ainda era muito novata a força, havia que preparar os homens antes de sujeitá-los a correrias mais duras, mas as exigências de nossa guerra revolucionária obrigavam a apresentar combate em qualquer momento.

Tínhamos a obrigação de encontrar as colunas que invadissem o que já começava a ser território livre de Cuba, uma certa parte da SierraMaestra.

Coloquei-me em posição enquanto víamos ascender a cabeça da coluna , trabalhosamente. A espera se fazia interminável naqueles momentos e o dedo jogava sobre o gatilho de minha nova arma, o fuzil metralhadora Browning, pronto para entrar em ação pela primeira vez contra o inimigo. Por fim correu a voz de que se aproximavam , além disso se ouvia suas vozes despreocupadas e seu gritos estentórios; passou o primeiro, o segundo, o terceiro , pelo rochedo, mas infelismente iam muito separados um de outro e estava calculando que não daria tempo a que passasse a dúzia escolhida; quando contava o sexto ouvi um grito mais adiante e um dos soldados ergueu a cabeça como surpreendido; abri fogo imediatamente e o sexto homem caiu; em seguida se generalizou o fogo e, à segnda descarga do fuzil automático, desapareceram os seis hoemsn da estrada.

Dei a ordem de ataque à esquadra de Raúl Mercader enquanto alguns voluntários caíam também sobre o lugar e de ambos os lados tocamos fogo sobre o inimigo. O tenente Orestes, da vanguarda, o próprio Raúl Mercader, entre outros, avançavam e desde o rochedo faziam fogo à coluna inimiga, forte de uma companhia, ao comando do comandante Merob Sosa.

Rodolfo Vásques despojava a arma ao soldado ferido por mim, o qual, para mal de nossas aflições daquele momento, resultou ser um sanitário que só levava um revólver 45 da Guarda Rural com dez ou doze balas, os outros cinco tinham escapado despenhando-se do caminho em direção a sua direita e fugindo pelo leito de um arroio que ali existe. Ao pouco tempo começaram a soar os primeiros tiros de bazuka disparados pelas tropas que tinham-se recuperado um pouco maíuscula surpresa, já que não esperavam achar nenhuma resistência em sua marcha.

A metralhadora Maxim era a única arma de algum peso que tínhamos fora de meu fuzil metralhadora, mas não tinha funcionado e seu encarregado Julio Pérez fracassara no manejo desta arma.

Pelo lado de Ramiro Valdés, Israel Pardo e Joel Iglesias tinham avançado sobre o inimigo com suas quase infantis armas enquanto as espingardas faziam um ruído infernal disparando a qualquer lado, aumentando o desconcerto dos guardas. Dei a ordem de reitrada aos dois pelotões laterais e quando eles começaram a cumpro-la, começamos também a retirada deixando a esquadra de retaguarda encarregada de manter o fogo até que passasse todo o pelotão de Lalo Sardiñas, já que estava prevista uma segunda linha de resitência.

Quando nos retirávamos alcançou-nos Vilo Acunã que tinha cumprido sua missão, anuncaindo-nos a morte Hermes Leyva. Ao retirar-nos se ante nós um pelotão que enviara Fidel a quem eu tinha advertido da iminência do enfrentamento com forças superiores. Foi enviado pelo capitão Ignácio Pérez. Retiramo-nos a uns mil metros do lugar do combate e ali estabelecemos nossa nova emboscada à espera dos guardas. Estes chegaram ao pequeno planalto onde se tinha desenvolvido o combate e, ante nossos olhos, o cadáver de Hermes Lyva era queimado pelos guardas que assim exercitavam sua vingança. Nossa ira impotente se limitava disparar desde longe com fuzis e algumas rajadas que eles respondiam com bazucas.

Este combate nos provava a pouca preparação combativa de nossa tropa que era incapaz de fazer fogo com certeza sobre inimigos que se moviam a uma tão curta distância como a que existiu neste combate, onde não deve ter havido mais de dez ou 20 metros entre a cabeça da coluna inimiga e nossas posiçoes. Com tudo para nós era um triunfo muito grande, tínhamos detido totalmente a coluna de Merob Sosa que, ao anoitecer, se retirava e tínhamos obtido uma pequena vitória sobre eles com a minúscula recompensa de uma arma curta que nos custava, no entanto, a vidade um combatente valioso. Tudo isto tínhamos conseguido com um punhado de armas medianamente efetivas contra uma companhia completa, de cento e quarenta homens pelo menos, com todos os efetivos para uma guerra moderna e que tinha lançado uma profusão de tiros de bazucas sobre as nossas posições, tão a torto e a direito como os disparos de nossa gente ponta da vanguarda inimiga.

Próxima passagem da guerra revolucionária: Pino del Agua

terça-feira, 18 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: O Ataque a Bueycito

, por Cmte. Che Guevara

Junto com as primeiras manifestações de vida independente, começaram os problemas na guerrilha. Havia agora que estabelecer uma disciplina rígida, Formar os comandos e estabelecer de alguma forma um Estado Maior para assegurar o sucesso em novos combates, tarefa nada fácil dada a pouca disciplina dos combatentes.

De uma casa, enquanto transitava pela rua principal do povo, saiu um homem; gritei-lhe o "alto quem vive", o homem acreditando que era um companheiro se identificou "A Guarda Rural"; quando fui apontar para ele entrou na casa, fechou rapidamente a porta e ouviu-se dentro um ruido de mesas, assentos e cristais quebrados, enquanto alguém pulava atrás em silêncio; foi quase um contrato tácito entre o guarda e eu, pois não me convinha disparar já que o importante era tomar o quartel, e ele não deu nenhum grito de aviso a seus companheiros.

Seguimos avançando procurando as posições para os últimos homens quando a sentinela do quartel avançou admirado pela quantidade de cães que ladravam e provavelmente ao escutar os ruídos do encontro com o soldado. Encontramo-nos cara a cara, apenas uns metros de distância; tinha a Thompson montada e ele um Garand: meu acompanhante era Israel Pardo; dei alto e o homem que levava o Garand preparado, fez um movimento, para mim foi suficiente: apertei o gatilho com a intenção de descarregar-lhe o carregador no corpo; porém fracassou a primeira bala e fiquei indefeso. Israel Pardo atirou, mas o seu pequeno fuzil 22, defeituoso, tampouco disparou. Não sei bem como Israel saiu com vida, minhas recordações referem-se só a mim que, no meio de aguaceiro de tiros do Garand do soldado, corri com uma velocidade que nunca voltei a ter e passei, já no ar, dobrando a esquina para cair na rua transversal e compor ali a metralhadora; no entanto, o soldado impensadamente tinha dado o sinal de ataque, pois este foi o primeiro disparo que se escutou. Ao ouvir tiros por todos os lados, o soldado, intimidado, ficou escondido numa coluna e ali o encontramos ao finalizar o combate que apenas durou uns minutos.

Enquanto Israel ia fazer contato, cessava o tiroteioe chagava já a notícia da rendição.

No quartel havia doze guardas dos quais seis estavam feridos, nós tínhamos sofrido uma baixa definitiva, a do companheiro Pedro Rivero.

Ao chegar às colinas novamente, inteiramo-nos de que estava estabelecido o estado de sítio, a censura e, além disso a grande perda que tinha sofrido a Revolução, ao ser assassinado Frank País nas ruas de Santiago. Desta maneira acabava uma das vidas mais puras e gloriosas da Revolução cubana, e o povo de Santiago, da Habana e de toda Cuba lançava-se à rua na greve espontânea de agosto, caía numa censura total a semicensura do governo, e iniciávamos um tempo novo, expresso pelo silêncio dos murmuradores pseudoposicionistas e os selvagens assassinatos cometidos pelos batistianos em toda a Cuba que se punha em pé de guerra.

com Frank País perdemos um dos mais valiosos lutadores, mas a reação ante seu assassinato demonstrou que novas forças se incorporaram à luta e que crescia o espírito combativo do povo.

Próxima passagem da guerra revolucionária: O Combate de El Hombrito

Vale a pena deixar registrado no blog: Che Guevara, por Ricardo Piglia

, por http://www.idelberavelar.com/archives/2007/10/che_guevara_por_ricardo_piglia.php


Che_Guevara-07-b-py.jpg O que segue é uma tradução minha de trechos de "Ernesto Guevara, Rastros de Lectura", texto de Ricardo Piglia publicado no seu El último lector (Anagrama, 2005). O livro está disponível no Brasil pela Companhia das Letras, em tradução de Heloísa Jahn. O artigo sobre Guevara é longo (pags. 103-38) e exibe o brilhantismo habitual de Piglia. Abaixo, algumas seleções minhas. Ao saltar algo, indiquei a elipse com reticências [...]

ERNESTO GUEVARA, RASTROS DE LEITURA

de Ricardo Piglia (tradução I. Avelar)

Há uma tensão entre o ato de ler e a ação política. Certa oposição implícita entre leitura e decisão, entre leitura e vida prática. Esta tensão entre a leitura e a experiência, entre a leitura e a vida, está muito presente na história que estamos tentando construir. Muitas vezes o que se leu é o filtro que permite dar sentido à experiência; a leitura é um espelho da experiência, define-a, lhe dá forma.

[...]

Há uma cena na vida de Ernesto Guevara à qual também Cortázar chamou a atenção: o pequeno grupo que desembarca do Granma foi surpreendido e Guevara, ferido, pensando que está morrendo, recorda um relato que leu. Escreve Guevara, nas Passagens da guerra revolucionária: “Imediatamente me pus a pensar na melhor maneira de morrer nesse minuto em que parecia tudo perdido. Recordei um velho conto de Jack London, onde o protagonista apoiado num tronco de árvore se dispõe a acabar com a própria vida com dignidade ao saber-se condenado à morte nas zonas geladas do Alasca. É a única imagem de que me lembro.”

Pensa num conto de London, “To build a fire”, do livro Farther North, os contos de Yukon. Nesse conto aparece o mundo da aventura, o mundo da exigência extrema, os detalhes mínimos que produzem a tragédia, a solidão da morte. E parece que Guevara teria recordado uma das frases finais de London: “Quando havia recobrado o fôlego e o controle, sentou-se e recriou em sua mente o conceito de afrontar a morte com dignidade”.

Guevara encontra no personagem de London o modelo de como se deve morrer. Trata-se de um momento de grande condensação. Não estamos longe de um Dom Quixote, que procura nas ficções que leu o modelo da vida que quer viver. Com efeito, Guevara cita Cervantes na carta de despedida a seus pais. . . Não se trataria aqui só do quixotismo no sentido clássico, o idealista que enfrenta o real, e sim do quixotismo como forma de ligar a leitura e a vida. A vida se completa com um sentido que se toma do que se leu numa ficção.

[....]

Há uma foto extraordinária, na qual Guevara está na Bolívia, trepado numa árvore, lendo, em meio à desolação e à experiência terrível da guerrilha perseguida. Sobe numa árvore para isolar-se um pouco e fica lá, lendo.

No princípio, a leitura como refúgio é algo que Guevara vive contraditoriamente. No diário da guerrilha no Congo, ao analisar a derrota, escreve: “O fato de que eu escape para ler, fugindo assim dos problemas cotidianos, tendia a distanciar-me do contato com os homens, sem contar que há certos aspectos de meu caráter que não tornam fácil a intimidade”.

A leitura se assimila à persistência e à fragilidade. Guevara insiste em pensá-la como vício. “Minhas duas fraquezas fundamentais: o tabaco e a leitura”.

[...]

Na história de Guevara há distintos ritmos, metamorfoses, mudanças bruscas, transformações, mas há também persistência, continuidade. Uma série de longa duração percorre sua vida apesar das mutações: a série da leitura. A continuidade está ali, todo o demais é desprendimento e metamorfose. Mas esse nó, o de um homem que lê, persiste do princípio até o final.

[...]

o outro elemento que está presente é justamente o tipo de uso da linguagem. Devemos recordar que o identifica um modismo lingüístico ligado à tradição popular. É conhecido como “Che” porque sua maneira de usar a língua marca, de modo muito direto, uma identidade. Por outro lado, o uso do “che” o diferencia dentro da América Latina e identifica-o como argentino. Jovem, em suas viagens, às vezes exagera-o para chamar a atenção e conseguir que o recebam e hospedem: sabe o valor dessa diferença lingüística. Ao mesmo tempo, o “che” funciona como identidade de longa duração, quiçá o único sinal argentino, porque em tudo o mais Guevara funciona com uma identidade não-nacional, é o estrangeiro perpétuo, sempre fora de lugar.

O uso coloquial e argentino da língua se nota imediatamente em sua escrita, que é sempre muito direta e muito oral, tanto em suas cartas pessoais e diários como em seus materiais políticos [...] A carta final a Fidel Castro está assinada simplesmente “che” e assim ele assinava as cédulas do banco que dirigia. A prova da autenticidade do dinheiro em Cuba era sua assinatura (dificilmente haverá outro exemplo igual na história da economia mundial, alguém que autentica o valor do dinheiro com um pseudônimo).

[...] Claro, Guevara não propõe nada que ele mesmo não faça. Não é um burocrata, não manda os demais fazerem o que ele só opina. Esta é uma diferença essencial, a diferença que o converteu no que ele é. Ele paga com sua vida a fidelidade ao que pensa. É semelhante à experiência dos anarquistas do século XIX, quando tentam reproduzir a sociedade futura em sua experiência pessoal. Vivem modestamente, repartem o que têm, se sacrificam, definem uma nova relação com o corpo, uma nova moral sexual, um tipo de alimentação. Propõem-se como exemplo de uma nova forma de vida.

cheleyendo.jpg

E no final de Guevara as duas figuras [o leitor e o político] se unem outra vez, porque estão juntas desde o começo. Há uma cena que funciona quase como uma alegoria: antes de ser assassinado, Guevara passa a noite prévia na escolinha de La Higuera. A única que tem com ele uma atitude caridosa é a professora do lugar, Julia Cortés, que lhe traz um prato de guisado que a mãe está cozinhando. Então – e isto é o último que diz Guevara, suas últimas palavras --, Guevara mostra à professora uma frase que está escrita na lousa e lhe diz que está mal escrita, que tem um erro. Ele, com sua ênfase na perfeição, lhe diz: “falta um acento”. Faz esta pequena recomendação à professora. A pedagogia sempre, até o último momento.

A frase (escrita na lousa da escolinha de La Higuera) é: yo sé leer. Que seja esta a frase, que ao final de sua vida o último que registre seja uma frase que tem a ver com a leitura, é como um oráculo, uma cristalização quase perfeita.

Morreu com dignidade, como o personagem no conto de Jack London.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Guerrilha

Dicionário de Política -- Norberto Bobbio

۩. A Guerrilha é um tipo de combate caracterizado pelo choque entre formações irregulares de combatentes e um exército regular. Os objetivos por ela perseguidos são mais políticos que militares. A destruição das instituições existentes e a emancipação social e política das populações são, de fato, os objetivos precípuos dos grupos que recorrem a esse tipo de luta armada. Por esse motivo, os termos Guerrilha e guerra revolucionária foram, cada vez mais, identificando-se.

A Guerrilha é típica dos Estados nos quais existem profundas injustiças sociais e onde a população está disposta a lutar por uma mudança.

As possibilidades de conduzir pesquisas para uma análise político-social neste campo são bastante problemáticas. Assim sendo, os estudos de cientistas políticos e sociais são poucos e gerais. Existe, porém, uma vasta produção de estudos políticos e militares que abordam a Guerrilha do ponto de vista prático a partir da condução das operações.

Querendo isolar as características principais da Guerrilha, é preciso concentrar-se em três setores de pesquisas que são intimamente conexos: relações entre guerrilheiros e população, aspectos estratégico-militares e ambiente físico.

O êxito dos movimentos de Guerrilha baseia-se, quase sempre, na longa duração do tempo de luta, visando isolar, moralmente, fisicamente e politicamente, os governantes da população e da comunidade internacional.

A Guerrilha muito prolongada torna-se possível com a ajuda da população, persuadida por uma ideologia conforme seus sentimentos, e da ajuda (sobretudo de armas) de potências externas. O apoio da população assume formas diversas, mas todas vitais: desde o fornecimento de bens e de alimentos, até a assistência aos guerrilheiros feridos; desde a organização de refúgios, até o trabalho como guias; e, finalmente, a recusa de divulgar informações às forças antiguerrilha.

O controle psicológico sobre as massas foi, por isso, considerado, juntamente com o controle das áreas rurais (o "campo"), o eixo principal da vitória dos movimentos de Guerrilha.

Segundo uma pesquisa corrente, verificou-se que, geralmente, 20% da população nas zonas de Guerrilha são favoráveis aos guerrilheiros, enquanto 20% são contrários e o restante 60% assumem atitude neutra e é, por conseqüência, alvo, seja da propaganda dos guerrilheiros, seja dos governantes. Uma atitude neutra torna-se, porém, uma vantagem para as forças de Guerrilha, porque significa uma não-colaboração com as forças do Governo.

A influência sobre a população é obtida de vários modos: com uma doutrina política que condena as injustiças sofridas pela população, com o terrorismo, com a demonstração da superioridade militar da Guerrilha sobre as forças regulares, com extensas campanhas de propaganda.

Do ponto de vista da conduta militar, a Guerrilha confia muito na improvisação e nas possibilidades de aproveitar a ocasião favorável. Os guerrilheiros fogem dos combates que não permitem agir em condições de superioridade. O bom conhecimento do terreno e o apoio da população permitem adotar uma tática que frustrae reduz ao mínimo o número dos ataques maciços do inimigo e desfecha golpes decisivos sob a forma de sabotagens e emboscadas contra as unidades isoladas do exército e da polícia, as linhas de comunicação e de fornecimento e as fontes de riqueza do Governo.

As grandes concentrações de forças por longos períodos são sempre evitadas, seja para não serem forçadas à defensiva, seja para criarem nas forças regulares a impressão de que a Guerrilha está em toda parte e em qualquer momento. Chama-se a isso efeito paralisante, que se obtém agindo sempre na ofensiva. A mobilidade do exército regular vem a ser assim notavelmente reduzida; as tropas são obrigadas a concentrar-se e devem limitar-se às atividades defensivas. Essa situação influi bastante na população, que vê assim o exército do Governo como incapaz de manter a ordem.

Entre as várias atividades dos guerrilheiros, figura também o terrorismo, que se desenvolve contra pessoas ou grupos diretamente ligados à classe que mantém o poder. O terrorismo pode também ser dirigido com fins punitivos contra a população de alguma zona ou vila que não queira colaborar com a Guerrilha. Sendo, porém, um índice de fraqueza, as forças guerrilheiras procuram fazer uso dessa técnica o menos possível, porque ela pode, de fato, provocar reações contrárias na população.

Com referência às forças de contraguerrilha, caracterizam-se por uma grande superioridade de armamento e têm condições de dispor sempre de meios cada vez maiores e mais eficientes. Tais forças, porém, terão sempre dificuldade, quando não impossibilidade em controlar contemporânea e continuamente todo o país, teatro de movimentos de Guerrilha.

O ambiente físico, o "terreno", no qual agiu até hoje a Guerrilha, foi sempre montanhoso e coberto de uma vegetação compacta. Esse terreno reduz a mobilidade dos grandes exércitos convencionais e dá às forças irregulares a vantagem de poder esconder-se sem dificuldade e de não ser distinguidas facilmente.

Os guerrilheiros utilizam bases (os chamados "santuários"), onde preparam os seus planos, formam seus homens e desenvolvem todas as atividades necessárias à preparação do combate. Essas bases devem ser particularmente seguras; por essa razão, encontram-se, muitas vezes, em território de Estados contíguos que aceitam ou toleram essas atividades.

Quando a atividade de Guerrilha consegue a formação de uma forte organização política com o apoio da população, os fatores naturais perdem quase toda a sua importância, enquanto assume peso muito maior o controle da população. Nesta altura, o apoio externo, material e político, torna-se patente e aumenta quando cresce a confiança nos êxitos da ação dos guerrilheiros.

A intervenção externa suscita considerações gerais sobre a função que a Guerrilha, fenômeno político interno, pode assumir no sistema internacional.

O potencial destrutivo das armas nucleares é de tal monta que alerta os Estados sobre a periculosidade de uma guerra aberta, por isso é provável que a Guerrilha seja a forma de violência mais aceitável, à qual podem recorrer potências antagônicas que, inserindo-se em conflitos internos, querem modificar a distribuição do poder existente em algumas regiões.

O que foi exposto indica claramente que as regiões nas quais a Guerrilha é possível são apenas aquelas economicamente subdesenvolvidas, com uma rede de comunicações pouco extensa e na qual exista uma ampla faixa da população sem nenhuma orientação política.

BIBLIOGRAFIA

ASPREY, R. B. War in the shadows; The guerilla in history. Garden City (N. Y.), Doubleday, 1971.

HALHWEG, H. Storia della guerriglia. Tattica e strategia della guerra senza fronti. Feltrinelli, Milano, 1973.

LAQUEUR, W. The origins of the guerilla doctrines. In: "JournaI of contemporary history", 1975, n 3.

Redator do verbete: Fulvio Attinà

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: O Combate de Uvero


, por Cmte. Ernesto Che Guevara

O combate desenvolveu-se mais ou menos assim: ao dar Fidel ordem de abrir fogo, com seu disparo, todo o mundo começou a avançar sobre os objetivos fixados e o exército a responder com grande fogo, dirigido em muitos casos em direção a colina de onde nosso chefe dirigia o combate. Aos poucos minutos de iniciada a ação Julito Díaz morreu ao lado de Fidel ao ser alcançado por um balaço diretamente na cabeça. Foram avançando os minutos e a resistência seguia acirrada sem que se pudesse precipitar os objetivos . A tarefa mais importante no centro, era a de Almeida, encarregado de liquidar de qualquer maneira o posto para permitir o passo de suas tropas e as de Raúl que vinha marchando de frente contra o quartel.

As tropas inimigas, bem entrincheiradas, nos rejeitavam com várias baixas e era muito difícil avançar pela zona central. Almeida ordenou um ataque final para tratar de reduzir de todas maneiras os inimigos que tinha em frente; este empurrão dominou o posto e se abriu o caminho do quartel. Pelo outro lado, o certeiro tiro de metralhadora de Guillermo Gárcia tinha liquidado três dos defensores. Raúl, com seu pelotão dividido em duas partes, foi avançando rapidamente sobre o quartel. Foi a ação dos dois capitães, Guillermo García e Almeida, a que decidiu o combate; cada um liquidou o posto assignado e permitiu o assalto final. Junto ao primeiro deve salientar-se a atuação de Luis Crespo, que baixou do Estado Maior para participar no assalto.

No momento em que se desmoronova a resistência inimiga, ao chegar a tomar o quartel, onde se tinha colocado um lenço branco, alguém, de nossa tropa provavelmente, disparou novamente e do quartel responderam com uma rajada que deu na cabeça de Nano Díaz, cuja metralhadora tinha feito estragos até esse momento, entre o inimigo. A briga tinha durado duas horas e quarenta e cinco minutos e nenhum civil tinha sido ferido apesar do número de disparos que se realizaram.

Se se considera que nossos combatentes eram uns 80 homens e os deles 53, se tem um total de 133 homens proximadamente dos quais 38, quer dizer, mais da quarta parte, ficaram fora de combate em um pouco mais de duas e meia horas de combate. Foi um ataque por assalto de homens que avançavam a peito descoberto contra outros que se defendiam com poucas possibilidades de proteção. Deve reconhecer-se que em ambos lados houve profusão de coragem. Para nós foi aliás, a vitória que marcou a maioridade de nossa guerrilha. A partir deste combate, nossa moral aumentou enormemente, nossa decisão e nossas esperanças de vitória aumentaram também, simultaneamente com a vitória e, embora os meses seguintes tinham sido de dura prova, já estávamos em posse do segredo da vitória sobre o inimigo.

Próxima passagem da guerra revolucionária: O Ataque a Bueycito

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: Chegam as Armas

, por Cmte. Ernesto Che Guevara


Finalmente, no dia 18 de maio, se tem notícias das armas e também, mais ou menos , da composição das mesmas. A notícia produz uma grande comoção em todo o acampamento, pois imediatamente se soube, e todos os combatentes esperavam melhorar seu armamento. À noite chegaram as armas, para nós aquilo era o espetáculo mais maravilhoso do mundo; estavam como em exibição diante dos olhos cobiçosos de todos os comatentes, os instrumentos de morte. Três metralhadoras de tripé, três fuzis metralhadoras Madzen, nove carabinas M-1, dez fuzis automáticosJohnson e, em total, seis mil tiros.

Próxima passagem da guerra revolucionária: O combate do Uvero

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: Jornadas de Marcha


, por Cmte. Ernesto Che Guevara

Os primeiros 15 dias do mês de maio foram de marcha contínua ao nosso objetivo.

Naquele tempo tinha que cumprir meus deveres de médico e em cada pequeno povoado ou lugar onde chegávamos realizava minha consulta. Era monótona pois não tinha muitos medicamentos que oferecer e não apresentavam uma grande diferença aos casos clínicos da Sierra; mulheres prematuramente envelhecidas, sem dentes, as crianças de ventres enormes, parasitismo, raquitismo, avitaminose em geral, eram os sinais da Sierra Maestra. ainda hoje se mantém, mas em muitas menores proporções. Os filhos destas mães da Sierra foram estudar na cidade escolar "Camilo Cienfuegos"; já estão crescidos, saudáveis, são outros moços diferentes aos primeiros esquálidos habitantes de nossa pioneira Cidade Escolar.

Eu me lembro que uma menina estava presenciando as consultas que dava às mulheres da zona, as que iam com mentalidade quase reliogiosa conhecer a razão dos seus padecimentos; a menina , quando chegou sua mãe, depois de vários turnos anteriores aos que tinha assistido com toda atenção na única peça de choupana que me servia de consultório, lhe fofocou: "Mãe, este doutor a todas lhe diz o mesmo".

E era uma grande verdade; meus conhecimentos não davam para muito mais, mas, também, todas tinham o mesmo quadro clínico e contavam a mesma história dilacerante sem sabê-lo. O que teria acontecido se o médico naquele momento tivesse interpretado que a fadiga estranha que sofria a jovem mãe de várias crianças, quando subia uma lata de água do arroio para a casa, se devia simplesmente a que era muito trabalho para tão pouca e tão baixa qualidade de comida? Esse esgotamento é algo inexplicável porque toda sua vida a mulher levou as mesmas latas de água até o mesmo destino e só agora se sente cansada. É que as pessoas da Sierra brotam selvagens e sem cuidado e se consomem rapidamente, em um corre-corre sem recompensa. Ali, naqueles trabalhos começava a conscientizar-nos a consciência da necessidade de um câmbio definitivo na vida do povo. A idéia da reforma agrária se fez nítida e a comunhao com o povo deixou de ser teoria para converter-se em parte definitiva de nosso ser.

A guerrilha e os camponeses iam se fundindo numa só massa, sem que ninguém possa dizer em que momento do longo caminho produziu-se, em que momento fez-se intimamente verídico o proclamado e fomos parte do grupo de camponeses . Só sei, no que diz respeito a mim, que aquelas consultas aos camponeses da Sierra converteram a decisão espontânea e algo lírico numa força de distinto valor e mais serena. Nunca suspeitaram aqueles sofridos e leais povoadores da Sierra Maestra o papel que desempenharam como forjadores de nossa ideologia revolucionária.

Próxima passagem da guerra revolucionária: Chegam as Armas