BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

BLOQUE ZONA LIVRE em Construção

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Mensaje Año Nuevo/ Mensagem Ano Novo



A todos los Compañeros y Compañeras vinculados con la Solidaridad con Cuba:
Al despedirnos del ya viejo 2008 y a unos días de cumplir 50 Años de la Revolución Cubana, comparto con ustedes nuestros ideales de construcción socialista, manteniendo la confianza y el optimismo por seguir trazando caminos de victorias. Con la fuerza de nuestras ideas, el espíritu inquebrantable de nuestro pueblo y los lazos de colaboración y solidaridad con otros países continuaremos nuestras luchas por lograr un mundo mas solidario y justo.
Feliz 2009!!!!
Abrazos solidarios,
María Antonia Ramos (Assessora Política da Embaixada de Cuba )

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O EZLN e a guerrilha informacional: a política no mundo encantado da mídia e da comunicação


HILSENBECK FILHO, Alexander Maximilian*
CABRAL, Fátima Aparecida**

INTRODUÇÃO
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) se caracteriza como uma guerrilha sui generis na cronologia dos movimentos sociais da América Latina. Em 1º de janeiro de 1994 se levantam em armas, no sudeste do México, estado de Chiapas, indígenas de diversas etnias, com um grito de Ya Basta!, Opondo-se a uma silenciosa morte que há mais de 500 anos afligia suas comunidades e antepassados. Além da histórica "defasagem" dessa forma de luta em nosso continente, os insurgentes chiapanecos apresentam ao México e ao mundo novas formas de organização social, reivindicações e aspirações, questionando diversos dogmas engessados das clássicas guerrilhas marxistas dos anos 60 e 70, de orientação leninista. Desse modo, os integrantes do EZLN não têm como objetivo a tomada do poder político do Estado (em sua concepção clássica), não se colocam como uma vanguarda revolucionária, porém, ao mesmo tempo, travam um conflito não apenas localizado, mas com nítida oposição a ordem capitalista "globalizada" (HILSENBECK FILHO, 2004).
Na cronologia do EZLN se expressa uma característica bastante singular, pois de novembro de 1984 a dezembro de 1993 se deu a organização da guerrilha em Chiapas e a preparação para o conflito armado; porém, a insurreição ou luta armada direta ocorreu apenas de 1º a 12 de janeiro de 1994; e daí em diante até os dias atuais, com pequenos interstícios, como em fevereiro de 1995, trava-se uma luta política em situação de paz armada, ou guerra de baixa intensidade . Tem-se, portanto, a trégua durando muito mais tempo do que a confrontação militar, algo inédito nos movimentos guerrilheiros da América Latina (RUBIM, 2002).
O fato de que ao longo desses 10 anos foram raros os confrontos armados, se deve a algumas razões em especial, como por exemplo, a reação da "sociedade civil" mexicana e internacional posicionando-se contra uma espiral da violência; a própria inferioridade militar do EZLN em relação ao exército federal, como afirma o subcomandante Marcos "... sua superioridade militar é evidente. Não podem aniquilar-nos, mas podem repelir-nos e manter-nos nas montanhas: nós não temos a menor possibilidade de derrotá-lo no campo militar" (GENNARI, 2001). Uma outra razão está na concepção do movimento de estratégia de intervenção na sociedade, com vistas a sua auto-organização, e na sua visão de mudança revolucionária, que será, no México, o produto de uma combinatória de diversas formas de luta e agentes, em variadas direções, e não de uma forma unilateral de mudança social - só a via armada ou somente a via pacífico-política, como afirma o subcomandante Marcos:
Nós pensamos que a transformação revolucionária no México não será produto da ação em um único sentido. Isto é, não será, em sentido restrito, uma revolução armada ou uma revolução pacífica. Será, primordialmente, uma revolução que resulte da luta em variadas frentes sociais, com muitos métodos, sob diferentes formas sociais, com graus diversos de compromisso e de participação. (CECEÑA, 2001, p. 191).
Logo, para o EZLN, a mudança se dará em várias frentes, de distintos modos, não sendo a sua experiência a única e nem mesmo a mais legítima, mas a forma que eles encontraram, contudo, há outras formas e organizações de grande valor. No caso mexicano as circunstâncias históricas mostravam a fragilidade do Estado não em sua situação militar, mas no campo político, o EZLN desvelou ao mundo um México que deveria estar escondido e ser esquecido, um país desigual, repleto de miséria, conflitos e contradições , isso justamente na data em que, segundo declarações oficiais, ele estaria entrando para o "1º mundo", já que no 1º dia de 1994 entrava em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, congregando EUA, México e Canadá, acordo que apenas permitia a livre circulação de mercadorias, e que por sua vez teve diversas conseqüências nefastas para as populações rurais mais pobres do México.
O EZLN passou a considerar a "sociedade civil" e a mídia como interlocutores políticos com um papel privilegiado, observando nos meios de comunicação um outro caminho a ser seguido , o que leva alguns autores como Rubim (2002) e Castells (2000), sustentarem a idéia que em decorrência da fragilidade militar do EZLN, eles buscam constantemente na luta política a destruição político-simbólica da legitimidade estatal.
A instantaneidade na publicização dos conflitos, possibilitada pelas tecnologias midiáticas transforma-se em uma estratégia nas guerras atuais, pois a surpresa, dentre outras possibilidades, sempre foi importante elemento tático. A desterritorialização inscrita na mídia, por sua vez, permite que o sub-comandante Marcos, com o EZLN cercado nas montanhas de Chiapas, esteja presente ao Zócalo, no centro da Cidade do México, em um imenso telão. (RUBIM, 2002).
rompendo, portanto, o cerco militar efetuado pelo exército. Completa:
Como o campo da mídia, na sociedade contemporânea, detém de modo crescente o poder de conferir ou negar existência social, publicizando ou silenciando acontecimentos e atores, seu espaço virtual transforma-se em uma das arenas essenciais da luta política na atualidade. A estratégia elaborada para este embate midiático tornara-se assim imprescindíveis. (RUBIM, 2002).
Esta preocupação de ocupar um espaço nos meios de informação para difundir as causas, ideais, denúncias e mensagens do movimento zapatista para o resto do mundo esteve presente desde o início do conflito (como a ocupação, nas primeiras horas do levante, dos estúdios da rádio XEOCH, a mais importante da região). Assim, o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral (CCRI-CG) do EZLN, encarregou o subcomandante Marcos de escrever os comunicados , pois "Precisa que digamos nossa palavra e que os outros a escutem. Se não o fizermos já, outros tomarão nossa voz e a mentira, sem a gente querer, sairá da nossa boca" (RUBIM, 2002).
Temos então uma característica bastante acentuada do movimento zapatista e talvez um dos traços fundamentais de sua experiência política, que é o fato de utilizarem os avanços tecnológicos dos meios de comunicação para realizarem um "conflito comunicativo e midiático". Esse fato, para Mássimo Di Felice, "... supera as categorias políticas tradicionais, abrangendo o nível cultural e a concepção da sociedade de forma geral". (DI FELICE; MUÑOZ, 1998, p. 20), já que através das redes de informática, de intervenções político midiáticas, de publicação dos comunicados em livros, jornais, revistas etc., abrangem o mundo inteiro, conseguindo ultrapassar os limites geográficos de sua ação política - atingem o local, o nacional e o global. A utilização da internet, de redes eletrônicas de comunicação e o volume de informações produzidas e transmitidas, são também responsáveis pelo escape à tradicional (e muitas vezes velada) censura dos meios de comunicação, favorecendo o elemento surpresa e a escolha do momento para sua ação política, como a data definida para o início do conflito, que conseguiu a atenção da mídia, repercussão e reconhecimento da guerrilha como ator político que não poderia mais tão facilmente ser silenciado pelo governo e os meios de comunicação oficiais.
Assim, apesar do conflito militar tradicional estar circunspecto a Chiapas, os zapatistas conseguiram ultrapassar fronteiras e estender seu alcance político por todo o território mexicano e ao redor do mundo, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, tecendo um "novo sistema de luta" (CLEAVER, 1998). Conseguiram, com isso, atuar de forma eficiente contra o capitalismo:
Para lutar de maneira eficaz contra o sistema é preciso agir simultaneamente em três níveis: o local, o nacional e o mundial. O movimento zapatista é um bom exemplo desta dialética: profundamente enraizado nas comunidades indígenas de Chiapas e sua exigência de autonomia, ele luta ao mesmo tempo contra a dominação imperialista sobre a nação mexicana e contra a hegemonia mundial do neoliberalismo (LÖWY, 2001).
Porém, salienta Rubim que "A atuação midiática não convencional também têm sua responsabilidade pelo acesso e presença deles nas imagens, sons e páginas da mídia" (RUBIM, 2002). Dentre estas atuações mais marcantes estão, obviamente, os pasamontañas e os paliacates .
O uso dos pasamontañas e dos paliacates não é tão somente uma jogada de "marketing"; é, antes, um modo de evitar a pressão das forças governistas sobre suas famílias e conseguir a vantagem do mimetismo, isto é, podem em um determinado momento assumir a condição de combatentes, e em outro momento integrar-se à população civil, além de simbolizar uma herança da cultura maia, quando os guerreiros pintavam seus rostos para que nenhum se destacasse mais do que outro. Para Castells: "[...] a máscara [que] representa um ritual bastante recorrente nas culturas indígenas do México pré-colombiano" acabou "[...] resultando em um dos mais inovadores 'recursos dramáticos' da revolução" (CASTELLS, 2000, p.104).
O fato é que, tanto os pasamontañas quanto os paliacates, se transformaram em símbolos da guerrilha zapatista e propiciaram, por sua vez, diversas polêmicas e debates sobre sua origem e utilidade. Ao escrever sobre os pasamontañas Marcos afirmou:
Não sei quantos argumentos diferentes e contraditórios foi dado sobre o uso de 'pasamontañas'. Agora recordo: o frio, a segurança, o anti-caudilismo (paradoxalmente), a homenagem ao deus negro do velho Antônio, a diferença estética, a feiura vergonhosa. Provavelmente nenhum dos argumentos seja verdade. O caso é que, agora, o 'pasamontañas', é um símbolo de rebeldia. Apenas ontem, era um símbolo de criminalidade ou terrorismo. Por quê? Certamente não porque nós nos tenhamos proposto. (RUBIM, 2002).
Não obstante, outras criações fazem parte do repertório imaginário e simbólico zapatista, como diversas criações de personagens literárias nos comunicados escritos por Marcos, que têm por propósito a decodificação de uma linguagem e uma realidade para outra, possibilitando assim a publicização de sua política, realizando algo como uma ponte em que se encontram dois mundos, o ocidental e o indígena, bastante diferentes em muitos aspectos, mas também, bastante iguais na exploração e miséria impostas pelo capital.
Este processo de decodificação de linguagens teve seu início no momento em que os guerrilheiros urbanos tiveram que se comunicar com as comunidades indígenas , porém, de uma tradução do mundo ocidental para os indígenas, este processo se transformou, a partir de 1994, na sua figura inversa, ou seja, a tradução do mundo indígena, de seus símbolos e linguagens, para o ocidente. Nas palavras de Marcos:
Quando estávamos entre as montanhas, tivemos que encontrar uma maneira para explicar nossas análises políticas para que fossem compreensíveis para uma outra cultura, tínhamos que fazer com que as pessoas entendessem o que queria dizer sistema produtivo, luta de classes, ditadura do proletariado, grupos no poder... Não é uma questão de analfabetismo. A cultura indígena assimila tudo através de símbolos, e era impossível doutrinar as pessoas sem cair no mais absoluto dogmatismo, na militarização, no fazer-lhes decorar a doutrina marxista-leninista no lugar do catecismo. Era necessário criar pontes, adaptar os símbolos. O discurso foi se transformando sem que nós percebêssemos. Dávamos uma explicação esquemática, típica de uma organização político-militar [...] os combatentes indígenas a traduziam e quando o discurso chegava nos povoados já não era mais o mesmo, os símbolos o haviam enriquecido de elementos novos, o haviam decantado, o haviam transformado em outra coisa. Em 1994, quando começamos a falar, usamos o mesmo sistema, só que em sentido oposto. O Velho Antônio havia traduzido o mundo indígena para Marcos, e Marcos retomava a linguagem dele para transmiti-lo ao mundo externo. (GENNARI, 2001).
Desta estratégia de comunicação e necessidade de traduzir a linguagem entre os dois mundos, criou-se Durito e o Velho Antônio . Durito surgiu com uma história que Marcos escreveu para uma criança de dez anos, da qual havia recebido uma carta. Ele tem o papel de, por um lado, romper com o discurso político tradicional da esquerda e, de outro, "brincar" com a situação dos zapatistas, para que eles próprios não se levem muito a sério ou se considerem como heróis, enfim, (re)colocá-los ao "nível do chão". Como Marcos afirma, recorreu-se a estas personagens para
[...] tentar explicar através do coração as idéias que eram destinadas à cabeça. Procurava uma maneira de explicar o que éramos e o que pensávamos sem cair nos mesmos erros. Durito, como o Velho Antônio ou as crianças zapatistas que aparecem nos contos, era uma personagem que, no lugar de explicar, fazia intuir a situação na qual nos encontrávamos. [...] não queríamos construir um discurso sentimentalista, apolítico ou contrário à teoria, procurávamos apenas recolocar a teoria ao nível do ser humano, da vida, de partilhar experiências vivenciadas sobre as quais refletir. (GENNARI, 2001).
Para Rubim, esta linguagem sincrética, habitada pela tradição, tem por intuito reforçar a auto-estima indígena e legitimar a guerrilha através da criação de uma cultura política zapatista e da reinvenção da história mexicana. Para ele, esta linguagem torna-se nova ao romper com as tradições referentes a uma esquerda "estadista" ou "fundamentalista", distinguindo o zapatismo também da retórica política tradicional. Desta maneira, lemas como "para todos tudo, nada para nós" e "mandar obedecendo" atingem o cerne de problemas ético-político atuais, como a representação e a corrupção. Assim,
Respeitar o bem público e ser dirigido pelos interesses públicos dos cidadãos devem ser meios de reinventar as possibilidades do 'bom governo', horizonte almejado pela reforma política pleiteada pelos neo-zapatistas, que aposta na sociedade civil, no desmantelamento do sistema mexicano de indissociabilidade Estado/partido (PRI) e na democracia. (RUBIM, 2002).
Na concepção de Luis de la Peña Martinez, uma das características do discurso do EZLN está justamente na diversidade de suas origens, está em sua heterogeneidade, em seus diversos referenciais.
"La insurrección iniciada el 1 de enero de 1994 en Chiapas, aparte de ser un levantamiento armado, fue, y ha sido desde esa fecha, una insurrección de las palabras. Una rebelión contra el orden discursivo imperante en el ámbito sociopolítico de México. La toma del poder de la palabra por aquelles a quienes durante muchos años les había sido negada la posibilidad de usarla para mostrarse ellos mismos como sujetos 'de palabra'" (MARTÍNEZ, 2004).

O zapatismo conta ainda com outras formas de intervenções midiáticas, que procuram se materializar em novas formas de atuações políticas, com o objetivo de agregar a "sociedade civil" e a "opinião pública" de forma orgânica e ativa, buscando criar laços com a sociedade civil mundial, para que esta passe a se sentir e, em certa medida, a fazer parte do próprio movimento, graças ao fato dele dialogar com a base a sua estratégia. Para Marta Harnecker essa estratégia é de grande importância para os movimentos progressistas, pois há a necessidade de que a esquerda utilize os espaços "alegais" - que estariam fora da dicotomia entre o legal e o ilegal -, para conscientizar, mobilizar e fazer participar o povo com vistas à constituição de uma força-social anti-sistêmica, como o fazem os zapatistas em suas diversas consultas e formas criativas de realizar a política. (HARNECKER, 2002, p. 84-86)
Um exemplo disso é a Convenção Nacional Democrática (CND), realizada de 06 a 09 de agosto de 1994, que reuniu mais de seis mil pessoas de centenas de entidades da "sociedade civil", entre personalidades e lideranças políticas. A CND passou a ser denominada "Aguascalientes", em homenagem à cidade que sediou a Convenção Constituinte de 1914. A CND tinha por objetivo colocar a "sociedade civil" como sujeito privilegiado de transformações democráticas, por vias pacíficas, em um clima de diálogo no seio da sociedade mexicana; a "sociedade civil" se tornaria, então, o principal interlocutor do movimento zapatista, afinal, este havia suspendido as negociações com o governo federal, sem, contudo reiniciar a guerra armada. Pretendia-se também superar o relativo isolamento dos zapatistas no cenário nacional, em decorrência do processo eleitoral, conseguindo assim, reintroduzir sua causa na agenda político nacional.
Um outro exemplo ocorreu durante o processo de negociação com o governo federal, quando a "sociedade civil" foi consultada sobre possíveis pontos de acordo nas mesas, através de questionários, textos livres e debates. Ou então, na Consulta Nacional pela Paz, ocorrida em 27/08/1995, oportunidade em que, através de enquetes, se apresentou seis perguntas a respeito das demandas do povo mexicano, como por exemplo, se o EZLN deveria se constituir em uma força política nova ou se unir a outras. Esta consulta atingiu 1 milhão e 300 mil pessoas, do México e do mundo, através de várias formas, inclusive a internet. Desta consulta resultou a Frente Zapatista de Libertação Nacional (FZLN), um "braço não armado" do EZLN, presente em várias cidades do mundo, inclusive em São Paulo, Brasil.
O EZLN também realizou o I Encontro Intergaláctico pela Humanidade e contra o Neoliberalismo - em julho de 1996, encontro esse que reuniu mais de cinco mil pessoas de quarenta e dois países - um marco para a "luta global" dos novos movimentos sociais , que teve seu começo na úmida neblina das selvas de Chiapas, dando-se alí início a um novo ciclo de lutas dos movimentos sociais contemporâneos. Tais lutas se fizeram representar nos atos em Gênova, em maio de 1998; nos protestos ao encontro de cúpula da OMC; nos protestos em Seattle etc., ou seja, nas diversas mobilizações globais, altermundistas, contra os encontros do FMI, da OMC e do Bird.
Segundo Atílio Boron, uma das características que traduzem a relevância singular do zapatismo na contemporaneidade é o fato de se tratar do "[...] primeiro movimento de massas que convoca a uma resistência global, armada e sem quartel contra o neoliberalismo. Nesse sentido, seria difícil exagerar os alcances de seu impacto, sentido com força não só no México e na América Latina, mas também na Europa, Estados Unidos e em muitos outros países" (BORON, 2003, p. 204)
Já para Rubim, "As consultas inventam formas de participação, no plano dos atos e das idéias, que não se orientam mais por fronteiras nítidas entre o movimento e a sociedade ou o local e o global", e no que se refere às ações midiáticas,
Fica nítido então que estas ações espetaculares, longe de se esgotarem enquanto meros 'efeitos de mídia', desencadearam processos sóciopolítico que perpassam a sociabilidade mexicana e sua história. As ações espetaculares assim não se esvaíram ante um foco de luz midiático, brilhante e momentâneo (RUBIM, 2002).

GUERRILHA INFORMACIONAL
Dessa experiência de realizar uma política comunicativa e midiática, se derivou uma característica, em certa medida bastante justa, atribuída por diversos autores ao zapatismo: a de ser o primeiro movimento de "guerrilha informacional", em decorrência de incorporar a utilização dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação em sua estratégia e forma de fazer política. Isto em uma época, como ressalta Castells, na qual a informação tem um papel central e em que há a possibilidade da criação de redes multiorganizacionais de ampla difusão, sem uma identidade particular nacional, que podem ser usadas por forças de caráter revolucionário para sua organização e busca de apoio social. (CASTELLS, 2000, p.105-106)
Porém, acreditamos que esta peculiaridade ou inovação implementada pelos zapatistas tem levado a interpretações um tanto quanto exageradas, modificando a relação material da guerrilha por uma relação fetichizada de uma estratégia do EZLN. Em outros termos, passou-se a minimizar e mesmo esquecer a luta armada, real, travada pelo EZLN nas montanhas de Chiapas, substituindo-a por uma "guerra de papel", por uma guerra puramente informacional e comunicativa. Nas palavras do próprio Castells: "... a guerra real não fazia parte de sua estratégia" (CASTELLS, 2000, p.103). Isto seria para Di Felice a "5ª deslocação" do EZLN , que se daria de uma mudança do conflito armado para o comunicativo, "Uma vez que o objetivo não é mais a tomada do poder, a confrontação desloca-se para outros níveis recusando o conflito direto e armado e buscando novas formas de ação inéditas e comunicativas" que se daria através de "... uma nova forma de conflitualidade transnacional através dos fluxos comunicativos" (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 35). Esta nova forma de conflitualidade social poderia se deslocar no espaço variando as formas de atuação em que "atores e sujeitos novos multiplicam-se intervindo diretamente no conflito" (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 36). Ele se refere à atuação direta por parte da sociedade civil e da FZLN, que passa a se sentir e a fazer, em certa medida, parte do movimento:
Nesse sentido, os zapatistas configuram-se como uma força transnacional, sem representantes nem porta-vozes, sem líderes nem hierarquias. As armas e as 'áreas libertadas' substituem-nas a comunicação eletrônica e o 'conflito sem lugares'. Transferindo o conflito para a ambiente dos bits eletrônicos, lugar privilegiado da reprodução do capital internacional, os zapatistas fazem da linguagem sincrética e das "palavras eletrônicas andantes" as suas armas principais. (DI FELICE; BRIGE, 2002, p. 36).
Parece-nos, entretanto, que são um tanto demasiadas certas afirmativas. Em primeiro lugar acaba ocorrendo uma visão fetichizada da política do EZLN, na medida em que o capital não se reproduz no ambiente eletrônico, dando-se então grande importância às relações do capital financeiro e esquecendo, por outro lado, as relações das forças produtivas, dos meios de produção. Uma ênfase quase exclusiva na "forma dinheiro" em detrimento das formas e modos de produção.
Em segundo lugar, também é preciso considerar que houve a compreensão, em um primeiro momento, tanto por parte da guerrilha urbana quanto das comunidades indígenas, da necessidade do levante armado como uma maneira de colocarem suas demandas e exigências e de resistirem à pressão governamental e de grupos paramilitares, financiados, principalmente, pelos grandes latifundiários e pelo próprio governo (SAINT-PIERRE, 1999). Se em determinado momento o movimento zapatista definiu como estratégia o não confronto militar direto com o exército, isto se deve a certas peculiaridades e desenvolvimentos no decorrer da luta, como a falta de correlação de forças no campo militar e a abertura de novas possibilidades graças ao contato e diálogo com a "sociedade civil". Mas em nenhum momento o EZLN realmente abandonou suas armas, sendo elas de fundamental importância para a resistência do movimento, pois, como bem ressaltam diversos autores, vive-se em Chiapas uma situação de "paz armada". Não obstante, compreende-se que a luta armada não é um fim em si mesmo, mas um dos elementos que constituem o movimento zapatista, assim como também a "guerrilha informacional", o que torna o EZLN um movimento "político-militar-midiático" (RUBIM, 2002). A não predominância da atuação militar neste momento segue uma linha estratégica do movimento, conforme sublinha o subcomandante Marcos:
[...] o EZLN é uma organização política, político-militar, mas, antes de mais nada, política. Neste sentido, o EZLN se expandiu muito além do que eles [o exército] pensam e se não faz ações militares não é porque não tenha força e sim porque não é a sua aposta atual. O momento militar já aconteceu, agora é o momento da política, e estamos nele. Não podemos brincar com a vida de companheiros para alardear que temos força militar sim. Seria uma irresponsabilidade muito grande (GENARI, 2001).
Em nenhum momento, portanto, nos parece que o EZLN nega seu caráter militar, substituindo-o por uma pura "guerra de papel". Em uma carta ao menino Miguel A. Vazquez Valtierra, de 06 de março de 1994, Marcos tenta explicar o motivo de os zapatistas pegaram em armas:
É verdade, somos profissionais. Mas a nossa profissão é a esperança. Um belo dia decidimos virar soldados para que noutro dia os soldados não sejam mais necessários. [...] Por isso somos soldados que querem deixar de ser soldados. Mas para que os soldados não sejam mais necessários é preciso virar soldado e disparar uma certa quantidade de chumbo quente, escrevendo liberdade e justiça para todos, não para alguns, mas para todos, todos os mortos de ontem e de amanhã, os vivos de hoje e de sempre, por todos aqueles que chamamos de povo e pátria, os excluídos, os que nasceram para perder, os sem nome, os sem rosto (GENNARI, 2001).
É inegável que a estrutura do EZLN é militar , entretanto, como afirma Marcos, um exército que se propõe a deixar de ser exército, que parece acreditar mais "na arma da crítica do que na crítica das armas", isto é, eles não almejam chegar ao poder central do Estado (em sua concepção clássica) e se instaurar como um exército revolucionário, pois assim, segundo eles, o movimento fracassaria como opção de idéias, de organização e concepção social, que deve conter desde seu primórdio a real participação da comunidade como ator nas tomadas de decisões.

A QUESTÃO DA UTILIZAÇÃO (OU NÃO) DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA
O fato de o zapatismo utilizar-se de uma "guerra informacional" como uma de suas estratégias é algo amplamente aceito nos círculos intelectuais, levando ao ponto de caracterizar a guerrilha como uma guerra puramente comunicacional. Não obstante, alguns analistas, para evitar esta forma de classificação, preferem retirar todo o caráter criativo e positivo que esta forma de política pode trazer. Assim, para Nugent, "Declarar que as inúmeras mensagens que ressoam 'na comunidade noturna dos 'hackers' produzem um efeito histórico palpável ajusta-se perfeitamente à idéia de que o neozapatismo é, na verdade, um 'movimento político pós-moderno'". (NUGENT, 1999, p.178). Contrariamente a opinião de Nugent, nos parece bastante aceitável a idéia de que os comunicados e discursos do EZLN produzem, sim, um efeito "histórico palpável", presente em toda a sua relação de denúncia, divulgação e apoio com a "sociedade civil" mundial, e também nos parece relevante, em contrapartida, o papel realizado por esta, sem, contudo, o movimento se tornar com isto "pós-moderno"; significa tão somente que ele se utiliza dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação para realizar, em um determinado momento, uma outra forma de se fazer política, já que como movimento histórico ele não pode se engessar em velhas formas e tradições, mas ao mesmo tempo, não abandona o cerne de suas reivindicações, metas e realizações efetivas, que estão mais próximas de uma definição "moderna" do que "pós-moderna", como coloca Nugent.
Essas confusões em relação à utilização de alguns avanços dos meios de comunicação por parte dos movimentos sociais foi fruto de análise por Adrián J. Padilla Fernández, e segundo ele,
"El uso do ciberespacio como un terreno nuevo de lucha social y política fue considerado inicialmente por la izquierda internacional de tres maneras dominantes. En el primer caso, se encontraban los que, encantados por la tecnología, se unieron a una visión post-moderna conmemorando la virtualidad y el simulacro. En el segundo, se localizaban los que reaccionaron con escepticismo, mientras afirmaban que los activistas que se ocupaban de este terreno nuevo eran perezosos, 'botón-navegantes' que muy confortablemente se colocaban al frente de las computadoras olvidándose de ocupar el espacio en la lucha 'real'. El tercero, estaba representado por los activistas que proyectaron sus luchas en el ciberespacio desarrolando espacios nuevos para alcanzar sus metas políticas. Ese grupo decidió explotar herramientas nuevas y nuevas potencialidades" (FERNÁNDEZ, 2004).

PERIGOS DA POLÍTICA MIDIATIZADA: A PERSONIFICAÇÃO E O SER CARISMÁTICO
Rubim adverte sobre alguns riscos que esta forma de política midiática pode trazer ao zapatismo, como a personalização do movimento na figura do subcomandante Marcos, e o fato de que "O exercício de imaginação também se torna mais exigente. Criar sempre alternativas e intervenções faz parte desta dinâmica política atual" (RUBIM, 2002). Essa preocupação também está presente, em parte, em outros autores. Regina Aída Crespo levanta a hipótese da personalização, mas isso logo parece se diluir perante a forma como o movimento se organiza:
A missão do "porta-voz" que fala pelo movimento, mas que dentro dele se destaca poderia ilustrar o caráter autoritário normalmente imputado às lideranças e que, no EZLN, também separa os "de cima" dos "de baixo". Entretanto, se analisarmos as afirmações do "porta-voz", poderemos ver em cada uma delas a confirmação não apenas da opinião do líder, mas da insatisfação, do cansaço e da descrença de todos os membros do EZLN no governo mexicano. A luta, política, depois do levante armado, tem que continuar, e o será, protagonizada não apenas pelo "porta-voz", como pelos componentes indígenas do EZLN. (CRESPO, 1996, p. 39).
Nos valendo do conceito de "carisma" de Max Weber, em que, na história, quando as tradicionais estruturas institucionais e suas formas de vida não conseguem regular o estado de crescentes tensões, ocorrem estados de crise, descontinuidades que formam um "lócus" perfeito para o surgimento do agente dessa ruptura, o profeta, o líder ou o herói, portador do "carisma". Assim, segundo Weber, o "carisma" deve ser entendido como
[...] a qualidade, que passa por extraordinária (condicionada magicamente em sua origem, de igual modo, quer se trate de profetas, feiticeiros, árbitros, chefes de caçadas ou comandantes militares), de uma personalidade, graças à qual esta é considerada possuidora de forças sobrenaturais, sobre-humanas - ou pelo menos extraquotidianas, não acessíveis a qualquer pessoa - ou, então, tida como enviada de Deus, ou ainda como exemplar e, em conseqüência, como chefe, caudilho, guia ou líder. (WEBER, 1984).
Dessa forma ao buscar como estratégia uma forma de política midiatizada, o EZLN sofre o risco de ter seu caráter renovador, bem como o "carisma" do movimento e do Subcomandante Marcos tragados pela lógica das tradicionais instituições que acabariam por lhes impor a fatal rotina cotidiana da mídia.
Já Antonio Rubim (2002) indica que alguns autores identificam certo "caudilhismo mascarado" na figura do Subcomandante Marcos . Não obstante as seguidas tentativas do EZLN de retirar qualquer aspecto que se pareça com um "véu místico" que encubra o movimento, esta áurea parece ainda se constituir como um referencial, ao menos para algumas parcelas da sociedade. O subcomandante Marcos com certeza adquiriu uma popularidade extremamente excessiva, não só no México, mas em todo o mundo, chegando a ser considerado um herói e tendo sua imagem vinculada junto a de outros rebeldes revolucionários, como Che Guevara. Porém, tentativas de despersonalizar o movimento da imagem do subcomandante Marcos foram diversas dentro do zapatismo, por exemplo, enquanto todo mundo esperava que no Congresso mexicano - após a Marcha Indígena de 2001 - fosse Marcos a fazer o pronunciamento, ao contrário, foi uma indígena comandante do EZLN.
E quanto ao risco de não cair em uma 'rotinização cotidiana', o Exército Zapatista parece ter entendido este perigo, pois, se no início do conflito houve uma compulsiva produção de comunicados e atos midiáticos, com o decorrer da luta a quantidade deu lugar a menores, mas muito mais espetaculosos atos. Quanto à sua capacidade imaginativa, dez anos após o início do conflito, o EZLN parece ainda não ter esgotado seus estoques, como afirma Marcos em uma carta ao escritor Eduardo Galeano: "Somos um exército de sonhadores, por isso somos invencíveis; como não ganhar com esta imaginação?! [...] não podemos perder ou, melhor dizendo, não merecemos perder." (DI FELICE & MUÑOZ, 1998, p. 11).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Certamente houve, no decorrer dos anos e das experiências acumuladas do EZLN, uma re-organização da guerrilha - em relação à luta armada e política - em decorrência de diversos fatores, como a própria mudança de lugares, modalidades e formas de luta. Em especial, em sua relação de conflito comunicativo, o EZLN tem como característica a ampla gama de criatividade na ação, inovando na forma de linguagem utilizada pela esquerda, valendo-se de poesias, humor, ironia, contos infantis, literatura ocidental (como Cervantes, Brecht etc.), criação de personagens, utilização de várias simbologias, referências culturais indígenas entre outras formas. Uma linguagem que rompe com as tradições de uma esquerda preocupada, sobretudo, com o Estado e com as questões materiais dos trabalhadores e o desenvolvimento das forças produtivas, esquecendo, ou relegando a uma posição secundária a questão das liberdades sociais. O EZLN enfatiza e remete-se, em seu discurso, aos homossexuais, à liberdade das mulheres, etc., a "todos aqueles que têm a pobreza como presente e a dignidade como futuro", ou seja, as minorias que enchem os porões do mundo e que na verdade se constituem como a grande maioria - e excluídos -, desse sistema social.
Porém, essa linguagem sincrética, ao mesmo tempo em que busca uma identificação nas figuras revolucionárias políticas do México como Emiliano Zapata, deita raízes em mitologias da cultura maia para passar os fundamentos e ideais políticos de uma sociedade multicultural, não se limita ao ato de comunicar, mas busca a construção de algo mais. Cria novos mecanismos de participação popular para a tomada de decisões políticas, invoca relações dialógicas nas políticas comunicacionais, entendendo os indivíduos não como meros receptores de informação, mas como sujeitos políticos, resultando na criação de uma extensa e atuante rede internacional de solidariedade, articulada principalmente pela Internet, com capacidade de mobilizar diversas organizações ao redor do globo e milhares de pessoas, primordialmente nos momentos mais críticos do conflito.
Eles inovam, portanto, na linguagem , mas também nos métodos de luta, nos objetivos da luta, buscando novas formas de se fazer política, mais orgânicas e ativas. Não nos esqueçamos que em Chiapas (e no México), potencializado pelo conflito comunicacional, há concomitantemente um conflito de sentidos, que abarca o nível cultural e a própria concepção da sociedade de uma maneira simbólica.
O EZLN conseguiu transformar ações puramente locais em fatos globais, obtendo um poder de resposta supranacional frente ao modelo capitalista, que também atua de forma global e em rede. Através dessas experiências tem crescido sistematicamente nos últimos anos o número dos movimentos sociais de contestação a essa forma de sistema social que globaliza a miséria, a injustiça e a exploração enquanto concentra renda em pouquíssimas mãos. Esses movimentos se utilizam dos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, como as redes eletrônicas, para compartilhar informações, discutir estratégias, táticas e como meio de organização (geralmente descentralizado) para mobilizações políticas globais. Talvez essa forma de política esteja ainda em sua fase embrionária, porém, já aponta alguns elementos a serem pensados pelos movimentos de esquerda com vias a organização da luta.
Para Martinez,
"[...] el movimiento zapatista ha generado con sus discursos (que también son acciones) una situación inédita, por lo menos en nuestro país, al hacer de su palabra y con su palabra, como ya se dijo, una forma de interacción social y política eficaz, que convoca y provoca a otros a participar con sus proprios discursos (lo que no es poca cosa) en la toma de decisiones colectivas: una de las características de una auténtica vida democrática.
Nos ha enseñado a escuchar y a reconecer el poder de la palabra más que la palabra del poder, el poder de poder apalabrarnos, y también nos ha enseñado a darle una oportunidad a la palabra de cada uno de nosotros, que a la vez somos otros" (MARTÍNEZ, 2004).
O fato de o Exército Zapatista de Libertação Nacional ser um exército que não visa a tomada de poder, antes, busca "dar uma chance a palavra" é apenas um dos paradoxos (ou pseudo-paradoxos) do que é o EZLN, e tal paradoxo merece ser investigado com mais profundidade.
É ainda demasiado cedo para previsões acerca das conseqüências que os avanços tecnológicos, sobretudo na área comunicacional, trarão para a luta dos movimentos sociais, e como cabe à própria realidade e a história desmentir previsões, se faz necessário mais tempo e estudo para retirar dessas experiências formas concretas de atuação, mas sem dúvida a experiência zapatista já aponta para um novo horizonte.

Bibliografia:

BORON, Atilio A. A selva e a polis: interrogações em torno da teoria política do zapatismo. Filosofia Política Marxista. São Paulo: Cortez, p. 203-230, 2003.

CASTELLS, Manuel. A outra face da terra: movimentos sociais contra a nova ordem global. A Era da informação: Economia, sociedade e cultura, vol. 2 O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, p. 93-140, 2000a.

CECEÑA, Ana Esther. Pela humanidade e contra o neoliberalismo - linhas centrais do discurso zapatista. Resistências Mundiais - de Seattle a Porto Alegre. SEONE, José & TADDEI, Emílio. Rio de Janeiro: Vozes, p. 186-199, 2001.

CLEAVER, Harry. Os Zapatistas e a teia eletrônica da luta. Lugar Comum - Estudos de mídia, cultura e democracia. Rio de Janeiro: n. 4, p.139-163, jan. / abr. 1998.

CRESPO, Regina Aída. Chiapas: O movimento indígena armado no panorama político e econômico do México. Terra Indígena, ano 13, n. 80, p. 31-45, 1996. Número especial.

DELARBRE, Raúl Trejo. Chiapas: La comunicación enmascarada. México, Diana, 1994.

DENNING, Michael. Esquerda global? Os movimentos sociais na era dos três mundos. In: Loureiro, Isabel et. al. (org.), O Espírito de Porto Alegr, São Paulo: Paz e Terra, 2002.

DI FELICE, M.; BRIGE, M. F. (Org.). Votán-Zapata: A marcha indígena e a sublevação temporária. São Paulo: Xamã, 2002.
______; MUÑOZ, C. (Org.). A revolução invencível - Subcomandante Marcos e Exército Zapatista de Libertação Nacional - Cartas e Comunicados. São Paulo: Boitempo, 1998.

FERNÁNDEZ, Adrián J. Padilla. Comunicación y política en el ciberespacio. Disponível em: http://www.gumilla.org.ve/Comunicacion/COM114/COM114_Padilla.htm acessado em 24 jun. 2004
FIGUEIREDO, Guilherme Gitahy de. A guerra é o espetáculo: origens e transformações da estratégia do EZLN. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 2003.

FUSER, IGOR. México em Transe. São Paulo: Scritta, 1995.

GENNARI, Emílio. Chiapas: as comunidades zapatistas reescrevem a história. Disponível em: , acessado em 19 out. 2001.

GRAMSCI, A. Maquiavel - A política e o Estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968

HARNECKER, Marta. Os desafios da esquerda latino-americana. São Paulo: Expressão Popular, 2ª ed. maio/ 2002.

HILSENBECK FILHO, Alexander Maximilian. Exército Zapatista de Libertação Nacional: Símbolo de liberdade e esperança contra a ordem neoliberal. Monografia (bacharelado). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília, SP, 2003.

______. O Exército Zapatista de Libertação Nacional: Novas contribuições para o pensamento e os movimentos de esquerda. Disponível em: www.pec.uem.br/dcu/Trabalhos/6-laudas/ HILSENBECK%20FILHO,%20Alexander%20Maximilian.pdf. acessado em 05 jul. 2004.

LÖWY, Michel. A luta contra o capital global não tem fronteiras. Galizalivre.org, 2001. Disponível em: Acessado em: 11/ dez/ 2001.

MARTÍNEZ, Luis de la Peña. La voz alzada: la rebelión discursiva del zapatismo . Revista Rebeldía n. 16. Disponível em: http://www.revistarebeldia.org/revistas/016/index.html acessado em 25 jun. 2004.

NUGENT, Daniel. Os intelectuais do norte e o EZLN. In: WOOD, E. M., Foster, J.B. Em defesa da história. Marxismo e pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar, p. 175-186, 1999.

PINEDA, Francisco. La guerra de baja intensidad. Revista Chiapas, n. 2. disponível em http://www.ezln.org/revistachiapas acessado em 07 mar 2003.

RUBIM, Albino Canelas. A comunicação e a política dos neo-zapatistas. Disponível em acessado em 12/jun/2002.

SAINT-PIERRE, Héctor Luís. O paramilitarismo como vetor da guerra de contra-insurgência. São Paulo: Xamã, Crítica marxista n. 9, p. 110-123, 1999.

WEBER, Max. Economía y sociedad. México: Fondo de Cultura, 1984.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: O Combate de Mar Verde


, por Cmte. Ernesto Che Guevara

Camilo Tinha lutado o dia anterior na zona de Altos de Conrado e agora não se sabia de seu paradeiro.

Porém, foram chegando rapidamente os mensageiros. As forças de reserva que tínhamos em El Hombrito mobilizavam-se pela zona da Nevada e o cemitério, para colocar-se por cima de Sánchez Mosquera e fechar-lhe a estrada. Camilo tinha chegado nessa zona. Foi enviada a ordem de que não se deixassem ver nem entabulassem combate até que não se ouvissem os primeiros disparos, salvo que tratassem de sair pela zona por eles defendida. Pela parteoeste se enviou às esquadras dos tenentes Noda e Vilo Acuña; ao leste, o capitão Raúl Casro fechava o cerco. Minha pequena esqudra com algun reforços, era a encarregada de fazer a emboscada no caso de que tratassem de baixar em direção ao mar.

Nas primeiras horas da manhã, já completo o cerco, se deu o sinal de alerta. Via-se a ponta da vanguarda inimiga avançar pela estrada real que, seguindo o pequeno arroio existente nessa zona, vai dar ao rio Turquino.

Ouviram-se os passos dos soldados quase em cima de nós; no potreiro tinam visto que somente eram três homens mas não nos puderam avisar a tempo. Nessa época minha única arma uma pistola Luger e me sentia nervoso pela sorte dos dois ou três companheiros que estavam mais perto que eu do inimigo, de modo que apurei demasiado o primeiro disparo e errei o tiro. Imediatamente como acontece nestes casos, generalizou-se o tiroteio e foi atacada a casa onde estava o grosso das forças de Sánchez Mosquera. Aqui, na emboscada, aconteceu um minuto de estranho silêncio ; quando fomos recolher os mortos, logo do primeiro tiroteio, na real estrada não havia ninguém; junto a dia estrada havia um pântano e, nela um saída empedrada no Tibisí por onde tinham-se deslizado os soldados inimigos. Iniciamos imediatamente a busca para cercá-los, já que não apareciam mais soldados.

De repente, ouviu-se uma sucessão rápida de disparos e os cmpanheirosme avisaram que joel estava gravemente ferido. A sorte de Joel, dentro de tudo, foi extraordinária, três fuzis Garand dispararam-lhe a queima-roupa: seu fuzil Garand foi atravessado por duas balas e sua culatra quebrada, outra queimou-lhe uma mão, a seguinte uma bochecha, duas lhe perfuraram o braço, duas uma perna, e lagumas outras mais deram-lhe roçaduras também. Estava coberto de sangue mas, porém, suas feridas eram leves. Foi retirado imediatamente e o enviamos ao hospital.

antes de ocupar-nos do combate em geral, devíamos seguir procurando os três soldados . Logo se ouviu uma voz, a de Silva, que gritava: "ali estão!" assinalando o lugar com um tiro de escopeta de seu calibre doze e após pouco tempo a voz dos soldados se rendendo. Obivemos ali três Garads com seus correspondentes prisioneiros.

Próxima passagem da guerra revolucionária: Altos de Conrado

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

PASSAGENS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA: Luta Contra o Banditismo


, por Cmte. Ernesto Che Guevara

As condições da Sierra permitiam já uma vida livre num território mais ou menos amplo. Este território não era ocupado habitualmente pelo exército e, muitas vezes, não era sequer pisado por sua planta, mas não tínhamos organizado um sistema de governo o suficientemente amplo e estrito como para impedir a livre ação de grupos de homens que, sob o pretexto da ação revolucionária, se dedicavam à pilhagem, ao banditismo e a toda uma série de ações delituosas.

Aliás, as condições políticas da Sierra ainda eram bastante precárias; o desenvolvimento político de seus habitantes era muito superficial e a presença de um exército inimigo, ameaçador, a pouca distância não permitia superar estas deficiências.

Deixamos transitoriamente a zona dirigindo-nos com nossas forças na direção de Los Cocos, sobre o rio Magdalena, onde devíamos juntar-nos com Fidel e capturar todo um bando, que sob as ordens do chinês Chang, esta arrasando a região de Caracas. Camilo que tinha para com a vanguarda, já tinha vários prisioneiros quando chegamos a esta zona onde permanecemos em total cerca de dez dias. Ali, em uma casa camponesa, foi julgado e condenado a morte o chinês Chang, chefe de um bando que tinha assassinado camponeses, que tinha torturado outros e que se tinha apropriado do nome e dos bens da Revolução semeando o terror na comarca. Junto com o chinês Chang foi condenado a morte um camponês que tinha violado a uma moça adolescente, também valendo-se de sua autoridade como mensageiro do Exército Rebelde e junto com eles foram julgados uma boa parte dos integrantes do bando, constituida por alguns moços provenientes das cidades e outros camponeses que se tinham deixado tentar pela vida livre, sem sujeição a nenhuma regra e, ao mesmo tempo, regalada que lhes oferecia o chinês Chang.

A maioria foi absolvida e com três deles se resolveu dar uma lição simbólica; primeiro foram justiçados o camponês violador e o chinês Chang, ambos serenos, foram atados nas varas do monte e o primeiro, o violador, morreu sem que o vendassem, de face aos fuzis, dando vivas à Revolução. O chinês confrontou com toda serenidade a morte mas pediu os auxílios religiosos do padre Sardiñas que nesse momento estava longe do acampamento.

Logo realizou-se o fuzilamento simbólico de três dos moços que estavam mais unidos aos abusos do chinês Chang, mas aos que Fidel considerou que devia dar-lhes uma oportunidade; os três foram vendados e sujeitos ao rigor de um simulacro de fuzilamento; quando depois dos disparos ao ar se deram conta os três com que estavam vivos; um dele deu-me a mais estranha e espontânea demonstração de júbilo e reconhecimento em forma de um sonoro beijo, como se estivesse em frente a seu pai.

Poderá parecer agora um sistema bárbaro este empregado pela primeira vez na Sierra, só que não havia nenhuma sanção possível para aqueles homens aos que se podia salvar a vida, mas que tinham uma série de faltas bastante graves em seu haver. Os três ingressaram no Exército Rebelde e de dois deles tive notícia de seu comportamento brilhane durante toda a eapa insurrescional. Um pertenceu durante muito tempo a minha coluna e nas discussões entre os soldados, quando se julgavam atos de guerra e alguém punha em dúvida alguns dos que narrasse, dizia sempre com marcada ênfase: "eu sim que não lhe tenho medo à more e o Che é testemunha", lembrando o episódio de seu fuzilamento.

No fim de outubro de 1957 voltamos a estabelecer-nos em El Hombrito para iniciar os trabalhos que deviam dar lugar a uma zona fortemente defendida por nosso exército. Tinham chegado dois esudantes de La Habana, um de engenharia e outro de ciência veterinária e com eles começamos a estabelecer os planos de uma pequena hidroelétrica que trataríamos de construir no rio de El Hombrito e a sentar as basesdo periódico "manbí". Para isto havia um velho mimiógrafo trazido da planície no qual se editaram os primeiros número de El Cubano Libre.

Ali, amparados pela aberta generosidade dos vizinhos de El Hombrito e, sobretudo, de nossa boa amiga a "velha" Chana, como dizíamos todos, começamos a desnvolver nossa vida sedentária e construímos, por fim, o forno de pão, dentro de uma choupana abandonada para que a aviação não detectasse nenhuma construção nova. Aliás, mandamos preparar uma imensa bandeira do 26 de Julho que tinha um lema: Feliz Ano 1958, a que foi posta em uma das lajes cimeiras de El Hombrito, com a inenção de que vista inclusive pelos povoadores das Minas de Bueycito, enquanto percorríamos a zona para ir sentado uma autoridade real sobre ela e preparávamos-nos a afrontar a já iminete invasão de Sánchez Mosquera.

Próxima passagem da guerra revolucionária: O Combate de Mar Verde

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Algumas questões sobre as guerrilhas no Brasil


Artigo de Carlos Marighella publicado no Jornal do Brasil em 5 de setembro de 1968

Com este trabalho queremos homenagear a memória do Comandante Che Guevara, cujo exemplo de Guerrilheiro Heróico perdurará pelos tempos e frutificará em toda a América Latina.

Carlos Marighella

A luta de guerrilhas, através da história, sempre foi um instrumento de libertação dos povos e a experiência provou, inúmeras vezes, quão importante é e que valor tem na mão dos explorados.

Além desta inapreciável importância, a guerrilha assumiu, nos dias de hoje, uma nova dimensão, ao lhe ser atribuído o papel estratégico decisivo na libertação dos povos. Quer dizer, a guerrilha incorporou-se definitivamente à vida dos povos como a própria estratégia de sua libertação, o caminho fundamental, e mesmo único, para expulsar o imperialismo e destruir as oligarquias, levando as massas ao poder.

Tal formulação do problema, como seja o do papel estratégico da guerrilha, não surgiu casualmente e sim porque a revolução cubana o introduziu no cenário da história.

Até então a experiência das revoluções de caráter marxista-leninista assentara suas bases na transformação da guerra antiimperialista mundial em guerra civil pela tomada do poder. Esta situação, com suas indispensáveis variantes, assinalou o desenvolvimento da história dos povos pelo menos durante quatro décadas, a partir do triunfo da Grande Revolução Socialista de Outubro.

A revolução cubana, como parte integrante da revolução socialista mundial, trouxe ao marxismo-leninismo um novo conceito: o da possibilidade de conquistar o poder através da guerra de guerrilhas, e expulsar o imperialismo quando não há guerra mundial e não se pode, portanto, transformá-la em guerra civil.

Esta contribuição teórica e prática da revolução cubana ao marxismo-leninismo elevou a um plano inteiramente novo a guerrilha, colocando-a na ordem-do-dia por toda parte, em especial na América Latina.

No Brasil este assunto é da maior atualidade e, por isso, apesar da vigilância e da repressão da ditadura militar que massacra nosso povo, em todo o país aumenta o interesse sobre a guerrilha e são discutidos os temas mais importantes.

Que há de fundamental e ao mesmo tempo de mais elementar nas guerrilhas no Brasil? Quais os problemas que nos chamam a atenção?

É uma visão geral desses problemas o que pretendemos apresentar a seguir, tomando como apoio a incipiente experiência brasileira sobre guerrilhas.

Aniquilas as Forças do Inimigo: Tarefa Fundamental da Guerrilha

O Brasil é um país de quase 90 milhões de habitantes, dispondo de uma imensa extensão territorial. Em área contínua, no mundo, só é superado pela União Soviética, a China e o Canadá.

As condições histórico-sociais e geográficas favorecem no Brasil – tal como aconteceu com a URSS e a China – o desencadeamento da revolução e sua vitória.

Em nossa maneira de pensar, a revolução no Brasil é a guerra revolucionária, em cujo centro se encontra a luta de guerrilhas.

A tarefa estratégica fundamental da guerrilha brasileira é a libertação do Brasil, com a expulsão do imperialismo dos Estados Unidos. Falando em termos de guerra, essa tarefa estratégica fundamental consiste em aniquilar as forças do inimigo, compreendendo-se como tal não só as forças militares do imperialismo dos Estados Unidos, como as forças militares convencionais dos "gorilas" brasileiros.

"Aniquilar" quer dizer tirar ao inimigo a capacidade de agir militarmente, destruindo e capturando suas armas e impossibilitando-o de prosseguir na guerra de manobras.

Quando se trata das forças militares dos "gorilas" brasileiros, "aniquilar" também quer dizer desgastá-las, esgotá-las, desmoralizá-las e separá-las, no final, das forças militares dos Estados Unidos, deixando os imperialistas sozinhos e as reacionárias forças armadas nacionais completamente destruídas. Sempre que os Estados Unidos estiverem acompanhados de forças militares "gorilas" de países latino-americanos, é necessário "aniquilar" o inimigo um a um e deixar os imperialistas combatendo isolados. Será este sempre o sentido em que empregamos o termo "aniquilar".

A Estratégia Global da Guerrilha

O imperialismo norte-americano adota uma estratégia global contra os povos e aplicará tal estratégia contra a guerrilha brasileira, que será combatida pelas forças militares dos Estados Unidos e seus títeres latino-americanos.

Responderemos com a mesma moeda, combatendo o imperialismo e sua estratégia global com uma estratégia global latino-americana.

A estratégia global da guerrilha, no Brasil, baseia-se no internacionalismo proletário dos revolucionários brasileiros e no seu elevado espírito de solidariedade aos povos que lutam de armas na mão.

Em conseqüência desse internacionalismo, um dos objetivos da estratégia global de nossa guerrilha é lutar para tornar efetiva a palavra de ordem de "criar dois, três... muitos Vietnãs".

Outro objetivo de nossa estratégia global é concretizar a solidariedade a Cuba através da luta armada em nosso país. A revolução cubana e Cuba socialista são vanguardas da revolução latino-americana, constituem nossos aliados fundamentais e nosso mais firme ponto-de-apoio em virtude de sua luta contra o imperialismo norte-americano, Para nós, é uma questão de princípio estar a favor da revolução cubana e encaminhar a guerrilha brasileira por uma estratégia global, capaz de criar obstáculos ao bloqueio e à posição agressiva dos Estados Unidos contra Cuba.

Nossa guerrilha visa, fundamentalmente, à conflagração de toda a América Latina. Quer dizer, trata-se de entrelaçar as guerrilhas dos países limítrofes, e de que os revolucionários dos países em luta se apoiem uns nos outros para o aniquilamento dos "gorilas" latino-americanos.

O imperialismo dos Estados Unidos, nosso inimigo comum, deverá ficar reduzido à situação de ver seus aliados destruídos e ter que lutar sem eles contra todos os povos latino-americanos.

A Ofensiva Estratégica como Principal Método de Condução da Guerrilha no Brasil

Nos países que estão em guerra regular com o inimigo e onde ocorrem guerrilhas, estas desempenham um papel de complemento da guerra regular em curso. Temos dois exemplos clássicos desse tipo, na Segunda Guerra Mundial, com os casos da URSS e da China.

Este não é o caso do Brasil atual, onde a guerra de guerrilhas não desempenha o papel de complemento de uma guerra regular, que não existe, não é para se desincumbir de uma missão tática, e sim para cumprir uma função estratégica.

O problema do Brasil é que as forças populares e revolucionárias sofreram uma derrota com o golpe de abril de 1964 e bateram em retirada com pesadas perdas.

Para livrar-se da ditadura e do imperialismo e de suas forças armadas de repressão, as forças populares e revolucionárias têm que sair da defensiva e passar à luta de guerrilhas, enfrentando o inimigo. Nesse caso, o principal método de condução da luta armada é a ofensiva estratégica.

O Brasil é um país de área continental e, por conseguinte, apropriado para a ofensiva estratégica da guerrilha, que precisa de espaço para mover-se.

A guerrilha brasileira tem que estar educada para operações móveis, desde as mais elementares aas mais complexas, pois uma guerra revolucionária prolongada no Brasil será uma guerra de movimento.

A ofensiva estratégica, como método principal de conduzir a luta armada, proporciona o máximo de iniciativa à guerrilha e uma liberdade de movimentos que não é permitida ao inimigo, laado aos azares de uma perseguição interminável, em áreas rurais tremendamente hostis e desconhecidas.

Além disso, a diversidade de territórios e a variedade de ocupações da numerosa população do país possibilitam à guerrilha dispor de reservas estratégicas tais como: recursos em potencial humano amplamente reforçados pelos contingentes de operários e camponeses, recursos provindos das atividades dos trabalhadores rurais e recursos oriundos do potencial econômico das áreas urbanas.

Contando com tais reservas estratégicas e pugnando por objetivos políticos patrióticos, como a expulsão do imperialismo e a tomada do poder para a total libertação do país e sua radical transformação, a guerrilha brasileira tem na ofensiva estratégica um método invencível de condução da guerra revolucionária.

Evitar o Cerco Estratégico do Inimigo

Devido às condições históricas brasileiras, a concentração da superestrutura das classes dominantes e de suas forças repressivas se verifica na extensa faixa à margem do Atlântico, a região mais bem povoada do Brasil, de maior penetração do capitalismo, servida por modernas ferrovias e rodovias.

Esta é a região do cerco estratégico. Tal cerco ocorre por diversos fatores, dentre os quais destacamos os dois seguintes:

1. o inimigo tem suas tropas acampadas em toda a região litorânea, onde proliferam as relações capitalistas, com inumeráveis facilidades para comunicações e transportes, além dos recursos da técnica moderna;
2. o inimigo domina com suas forças militares o relevo norte-sul, bem como o mais importante sistema orográfico do país, projetado sobre o Atlântico, e erguido dentro da faixa litorânea, entre os maiores centros urbanos brasileiros.

A guerrilha brasileira deve evitar o confronto com a esmagadora superioridade do inimigo na faixa Atlântica, onde este tem suas forças concentradas. Se optar por esta solução, a guerrilha, mesmo que disponha de meios para instalar-se no sistema orográfico existente dentro da área inimiga, estará por sua própria iniciativa dentro das condições de um cerco estratégico.

Ao contrário, laar a luta guerrilheira na área fora das condições do cerco é iniciar o caminho da ofensiva estratégica contra o inimigo, obrigando-o a deslocar-se da faixa litorânea para perseguir a guerrilha.

Tal situação permitirá o crescimento da ação das forças revolucionárias urbanas, que poderão cortar vias de abastecimento e comunicações, dificultar o transporte de tropas e intensificar o apoio logístico à guerrilha.

Assim, as conseqüências para as forças armadas convencionais serão desastrosas, não só por terem de combater fora do seu "habitat" natural, como porque se verão obrigadas a enfrentar o castigo das forças urbanas revolucionárias na retaguarda.

As Fases Fundamentais da Luta de Guerrilhas

A luta de guerrilhas não se desenvolve jamais de um só jato, isto é, desde quando se inicia até quando termina, com a vitória ou o fracasso. Pensar que isto pudesse ser assim significaria considerar a guerrilha como uma luta improvisada e arbitrária e não como uma luta de classes que se desenvolve segundo as leis da guerra.

Ainda que seja um prolongamento da política, a guerra tem suas leis específicas. Quando estamos em guerra, devemos saber que sua lei básica é a preservação de nossas próprias forças e o aniquilamento das forças do inimigo.

Nenhuma destas duas coisas pode se obter de uma só vez, e é obrigatoriamente necessário passar por um certo número de fases para atingir os objetivos previstos.

É por isso que o desenvolvimento da luta guerrilheira se processa por meio de fases distintas e bem características, interdependentes e relacionadas entre si.

Não se trata de fases determinadas arbitrariamente, mas presididas por leis inerentes à atividade consciente dos homens e das classes em luta. Essas leis têm traços comuns. O traço comum fundamental de qualquer delas consiste em sua subordinação total à lei básica da guerra: preservar nossas próprias forças e aniquilar as do inimigo.

Mas cada fase tem seus objetivos e suas particularidades e deve conter em si mesma os elementos e requisitos indispensáveis para a passagem à fase posterior.

Assim, na luta guerrilheira no Brasil distinguem-se três fases fundamentais.

A primeira é a do planejamento e preparação da guerrilha.

A segunda é a do laamento e sobrevivência da guerrilha.

A terceira é a do crescimento da guerrilha e sua transformação em guerra de manobras.

O tempo de duração de todas ou de cada uma dessas fases não importa, como ensina a história, pois os povos que lutam pela libertação jamais se preocupam com o tempo de duração de sua luta.

Planejamento e Preparação da Guerrilha

Um dos requisitos básicos para a primeira fase da guerrilha é a existência de um pequeno núcleo de combatentes, surgido em condições histórico-sociais determinadas. Esse requisito constitui uma regra geral. Sua única exceção é em caso de guerra regular, quando a guerrilha preenche um papel tático, e o seu surgimento se dá por variadas maneiras.

O núcleo inicial de combatentes deve ser imune ao convencionalismo dos partidos políticos de esquerda tradicional e suas lideraas oportunistas, e ter condições para enfrentar e conduzir a luta ideológica e política contra o grupo de direita oposto ao caminho armado.

A luta ideológica deve ser levada ao conhecimento do povo com enorme audácia, confiaa e amplitude, tendo em vista assegurar o apoio político e revolucionário das massas.

Deve ser exposto às massas com muita clareza o objetivo político da guerrilha, ou seja, a expulsão do imperialismo dos Estado Unidos e a destruição total da ditadura e suas forças militares, para, em consequência, estabelecer-se o poder do povo.

Não se deve, entretanto, empreender a guerrilha sem um plano estratégico e tático global, com base na realidade objetiva. Tal plano é necessário para que a guerrilha não venha a ser uma iniciativa isolada, desligada dos grandes objetivos patrióticos perseguidos por nosso povo, e sem a imprescindível visão do processo de aniquilamento das forças do inimigo.

Além do plano, a guerrilha requer preparação. Uma boa preparação começa com a seleção cuidadosa dos homens, que devem advir, isto é chegar depois, particularmente, do setor de operários e camponeses.

A preparação da guerrilha exige ainda o adestramento do combatente, sobretudo para o tiro e a marcha a pé, algumas armas e munições, a exploração do terreno, noções de sobrevivência e orientação, e a organização inicial de apoio logístico, incluindo a coleta de recursos de todos os tipo.

O que caracteriza o planejamento e a preparação da guerrilha é o segredo, a vigilância e a seguraa mais absoluta, a proibição rigorosa do uso de papéis e cadernetas com nomes e endereços escritos, planos e apontamentos que podem vir a cair nas mãos do inimigo.

Sem esses cuidados, a primeira fase da guerrilha não tem condições de ir adiante.

Laamento e Sobrevivência da Guerrilha

Apesar de que o inimigo no Brasil já está prevenido e reprime violentamente as tentativas de guerrilha, a primeira fase da luta guerrilheira ainda prossegue.

Quanto à Segunda fase, está é a do laamento e sobrevivência da guerrilha, e se destina a converter uma situação política em situação militar.

Com esta segunda fase, as tarefas políticas convencionais propostas pelos direitistas, como sejam eleições, "frente ampla", luta pacífica, etc., caem no descrédito público. Surgem métodos de luta revolucionários e de apoio à guerrilha, com a finalidade de aniquilar as forças do inimigo.

Esta mudaa é muito violenta e produz um impacto em todos os setores da luta.

O "gorilas" se defrontarão com uma situação militar, que procurarão resolver segundo os métodos convencionais do militarismo profissional. Estes métodos serão confrontados com os métodos não convencionais da guerrilha. A vitória será de quem melhor o emprego fizer da lei básica da guerra. Ou de quem tenha melhores condições no meio do povo para fazê-lo. A vitória será da guerrilha.

O laamento da guerrilha deve constituir obrigatoriamente uma surpresa para o inimigo, como decorrência de dois fatores. Um deles é que, na segunda fase da luta de guerrilhas no Brasil, a forma principal das ações de combate consiste nas ações de surpresa e na emboscada. O outro é que o método principal de condição da luta de guerrilhas nesta fase reside na ofensiva, cujo papel decisivo se revela no aniquilamento das forças do inimigo.

Em matéria de formas de ação de combate e métodos de conduzir a luta armada, a derrota da guerrilha no ato de seu laamento é produzida pelos seguintes erros:

a) não utilizar a surpresa contra o inimigo;

b) deixar-se surpreender pelo inimigo ou cair no seu cerco tático;

c) travar combates decisivos em pontos onde o inimigo, mesmo eventualmente, tenha superioridade;

d) começar a luta nas condições do cerco estratégico do inimigo e não ter plano estratégico e tático global, não conhecer o terreno e violar grosseiramente as leis da guerra.

Na maioria desses casos estão incursas as tentativas de guerrilhas fracassadas no Brasil, incluindo Caparaó.

Fatores de que Depende a Sobrevivência

Quando a guerrilha é laada com êxito, o problema da sua sobrevivência passa a ter prioridade e uma importância fundamental e decisiva. A sobrevivência da guerrilha depende então:

a) dos seus objetivos políticos;

b) do método de condução da luta armada;

c) da estreita relação entre a guerrilha e o povo.

Quanto aos Objetivos Políticos

Nesse particular, os princípios são os seguintes:

a) procurar despertar o povo e particularmente os camponeses com a contínua presença dos combatentes guerrilheiros e a repercussão de sua ação política e revolucionária;

b) tornar conhecido do povo o objetivo político da guerrilha (a expulsão do imperialismo dos Estados Unidos e a destruição total da ditadura e suas forças "gorilas"). A guerrilha deve contar para isso com aparelhamento e organizações revolucionárias clandestinas, além de pontos de apoio em todo país.

Quanto aos Métodos de Condução da Luta Armada

Sob tal aspecto, são estes os princípios:

a) o princípio básico da guerrilha é partir de uma situação em que temos inferioridade e o nosso inimigo superioridade, e chegar a uma situação em que temos superioridade e o nosso inimigo inferioridade. Nesse caso não só as armas decidem. O fator decisivo mesmo é o homem, que maneja as armas e captura o inimigo. Se o decisivo fossem as armas, venceriam os "gorilas";

b) subordinar todas as ações de combate à lei básica da guerra, não se deixando aniquilar e aniquilando o inimigo nas variadas oportunidades, para crescer às suas custas e preservar as forças da guerrilha;

c) a ofensiva é o melhor meio de aniquilar o inimigo, porém jamais devemos esquecer o princípio de combinar a ofensiva e a retirada;

d) toda operação estratégica deve ser bem planificada para nunca nos determos a meio caminho;

e) o objetivo de nossa estratégia não é solucionar problemas econômicos no curso da guerra de guerrilhas, e sim aniquilar o inimigo. Daí por que jamais devemos ter bases fixas, ocupar ou defender territórios;

f) devemos deixar ao inimigo a tarefa de defender suas bases fixas e territórios ameaçados de incursão, ocupá-los ou recuperá-los. Isto põe o inimigo na defensiva, enquanto a guerrilha goza de liberdade de ação e iniciativa, desde que não se deixe aniquilar e preserve suas forças;

g) os combates, ações de surpresa, emboscadas e pequenas manobras táticas têm como objetivo principal capturar armas e munições;

h) além da extrema mobilidade, rapidez e decisão nas ações de combate, a norma de conduta da guerrilha é o permanente deslocamento, favorecido pela extensão continental do país e a diversidade das condições do terreno;

i) a guerrilha deve exercer severa vigilância e exigir rigoroso cumprimento das normas de seguraa.

Quanto às Relações entre a Guerrilha e o Povo

Os princípios da sobrevivência aqui são os seguintes:

a) a guerrilha deve ter uma conduta honesta e leal, não fazer injustiças e dizer a verdade. Estimar, respeitar, ajudar o povo e jamais violentar os seus interesses;

b) a guerrilha deve viver e nutrir-se no meio dos camponeses, identificando-se com eles e respeitando seus costumes e religião. Explicar-lhes a natureza de classe do inimigo, o papel da guerrilha e o seu objetivo político. Organizar entre eles o trabalho de informação e o apoio logístico da guerrilha;

c) a guerrilha deve abster-se de aplicar qualquer método de banditismo, levar a efeito qualquer ato próprio de bandido ou juntar-se a eles.

Quando a Segunda fase da guerrilha é conduzida de tal modo que os erros são corrigidos no processo da luta, a estagnação e a passividade são abolidas e a sobrevivência da guerrilha fica assegurada; estão preenchidas as condições para a passagem à terceira fase.

O Crescimento da guerrilha e sua Transformação em Guerra de Manobras

A terceira fase da guerrilha é a última da guerra revolucionária.

É a fase do crescimento da guerrilha e sua transformação em guerra de manobras, a fase decisiva de aniquilamento do inimigo.

O desenvolvimento desta fase é impossível sem uma série de condições entre as quais se destacam:

a) o crescimento político da guerrilha;

b) o crescimento de sua potência de fogo;

c) o aparecimento da retaguarda;

d) a criação do exército revolucionário;

e) a mudaa na forma principal das ações de combate.

O Crescimento Político da Guerrilha

Na terceira fase, o objetivo político da guerrilha passa a ser conhecido do povo, terminando a situação em que era conhecido apenas um círculo limitado de pessoas.

O objetivo político da guerrilha transforma-se, então, no mesmo objetivo de grandes massas do povo. Decorre daí o crescimento da autoridade política do comando da guerrilha. Seu trabalho ideológico se torna mais eficiente. As palavras-de-ordem da guerrilha passam a influir nas cidades. O comando total da luta se transfere para a guerrilha.

O Crescimento da Potência de Fogo da Guerrilha

Com o sucesso das formas de ações de combate da Segunda fase, a guerrilha passa a Ter novos tipos de armas. Melhora a qualidade do armamento. Pode dispor de mais animais de transporte, chegar à motorização e a operações com aviação. Melhora o serviço de comunicações e informações e de socorro médico. Consolida-se a rádio rebelde clandestina, cuja instalação pode fazer parte da fase anterior da luta. Aumenta a experiência da guerrilha. Seu heroísmo, perseveraa e capacidade combativa se reforçam.

Todos estes fatores combinados determinam o aumento da potência de fogo da guerrilha.

Quando aumenta sua potência de fogo, a guerrilha deve aplicar os dois princípios seguintes, tendo em mira o aniquilamento do inimigo:

1 – Passar de uma situação sem muita capacidade de fogo para a situação de estender a linha de fogo.

2 – Aumentar o espírito combativo da guerrilha e fazer vacilar o espírito combativo do inimigo.

O Aparecimento da Retaguarda

A característica da guerrilha em suas duas fases anteriores é operar sem retaguarda e somente com pontos de apoio. O crescimento político da guerrilha lhe dá pontos de apoio coletivos e leva à criação de uma retaguarda.

Na fase final, a guerrilha brasileira dispõe de uma retaguarda interna e de uma retaguarda externa, esta última pelas forças dos países socialistas, as forças dos países do terceiro mundo e as forças progressistas do mundo capitalista.

A retaguarda interna da guerrilha brasileira será constituída por toda a área do apoio logístico e da luta complementar da guerrilha.

A guerrilha passará, assim, de uma situação sem retaguarda para uma situação em que terá retaguarda. Isto levará o apoio logístico a um avanço jamais atingido em qualquer fase anterior e, graças ao apoio do povo, o abastecimento da guerrilha se transformará num sistema regular de abastecimento.

Dispondo de retaguarda, a guerrilha terá em suas mãos reservas estratégicas que poderá, então, manejar em larga escala.

A Criação do Exército Revolucionário

Para que seja atingido o objetivo fundamental da guerrilha, é necessário criar o exército de origem guerrilheira, exército revolucionário capaz de aniquilar as forças armadas convencionais e de conduzir as massas à tomada do poder, destruindo o aparelho burocrático-militar do atual Estado brasileiro e substituindo-o pelo povo armado.

A criação de um exército dessa natureza é um princípio geral da revolução, princípio sobre o qual Lenin insistia, ao afirmar o seguinte:

"O exército revolucionário corresponde a uma necessidade porque os grandes problemas históricos só pdoem resolver-se pela força, e a organização da força é, na luta moderna, a organização militar" (Artigo publicado no "Proletari", em 1905, sob o título "Exército Revolucionário e o Governo Revolucionário").

No mesmo artigo, Lenin acrescenta:

"O governo revolucionário é necessário para assegurar a direção política das massas do povo".

Partindo do marco zero, a guerrilha possibilita a organização da força do povo, a princípio sob a forma de um pequeno núcleo de combatentes que se laa à luta, dentro de um plano estratégico e tático global. E, em seguida, sob a forma de um exército combatente, que nada tem a ver com o convencionalismo militar.

Uma das indispensáveis tarefas da estratégia da guerrilha no Brasil, é a criação desse exército genuinamente popular, que parte do nada e, através da guerra revolucionária, chega a uma organização militar capaz de praticar a guerra de manobras, vencer o inimigo, e, em consequência, conquistar o poder para o povo.

O crescimento da guerrilha em prestígio político, potência de fogo e apoio de massas produz modificações no curso da luta, atingindo a organização militar, os métodos de conduzir a guerra, as ações de combate e o emprego das forças da guerrilha.

A guerrilha dá um salto para a frente. E passa do tipo de organização de grupos guerrilheiros para o tipo de organização de um exército revolucionário. Mas um exército revolucionário não convencional, surgido da guerrilha, com base na aliaarmada de operários e camponeses, aos quais se reunirão estudantes, intelectuais e outras forças da revolução brasileira.

Destacamentos, coluna e outras formas revolucionárias de organização militar constituirão o exército do povo que libertará o país.

A Mudaa da Forma Principal das Ações de Combate

Na terceira fase da guerrilha, a forma principal das ações de combate são as ações de manobras e não mais as ações de surpresa da segunda fase.

Isto significa uma mudaa de qualidade na luta de guerrilhas. Trata-se agora da transformação da guerrilha em guerra de manobras. É possível agora à guerrilha concentrar forças ou deslocá-las para aniquilar o inimigo e realizar operações de cerco e aniquilamento.

O método principal de conduzir a guerra de manobras continua sendo a ofensiva. Mais do que nunca, porém, nesta fase a guerrilha deve estar atenta a dois princípios:

1. Não somente avaar, mas também admitir a retirada.
2. Não expor as forças principais da guerrilha a um golpe inimigo de relevo na condução da luta ou no desfecho da guerra revolucionária.

A sorte da guerra se decide por suas ações de manobras. O inimigo, em inferioridade de forças, é obrigado a passar para a guerra de posições ou render-se e desintegrar-se, com o aniquilamento total.

O Núcleo Operário-Camponês e o Apoio do Povo - Segredo da Vitória

Quando se desencadeou o golpe de abril de 64, no Brasil, não houve resistência. O imperialismo norte-americano e os "gorilas" nacionais se aproveitaram disso e estão massacrando o nosso povo. Se fizermos a resistência, eles tentarão aniquilá-la, para que tenha prosseguimento a exploração do Brasil. Mas a resistência deve ser feita. A resistência do povo brasileiro é a guerrilha.

A guerrilha é para defender a causa dos pobres, dos humilhados e ofendidos, dos homens e mulheres de pés descalços. É para conquistar a libertação do Brasil, expulsar o imperialismo norte-americano, aniquilar a ditadura e suas forças armadas, derrubar seu poder, e instaurar o poder do povo.

Nossa guerrilha não tem base fixa. Sua base é o povo, é o homem brasileiro. Seu principal sustentáculo é o núcleo operário-camponês, a aliaa armada de operários e camponeses brasileiros, que constituem a maioria da nação.

A guerrilha brasileira não ocupará terras nem adotaa tática de autodefesa dos camponeses, para não ter que defender territórios e bases fixas e desviar-se de sua rota de ofensiva estratégica, caindo na defensiva. A defensiva é a morte.

As dívidas dos camponeses serão canceladas. Os papéis e comprovantes de suas dívidas serão queimados. Os camponeses que ocupam terras, os arrendatários, os parceiros, posseiros que lutam contra os despejos, os assalariados agrícolas que queimam canaviais, os trabalhadores rurais que fazem greve no campo, lutam por suas reivindicações e são perseguidos pela polícia e o exército, por sua atividade organizando sindicatos, ligas camponesas e associações, podem ingressar na guerrilha e, dentro dela, prosseguir na luta pela revolução agrária, pelo aniquilamento do inimigo e a tomada do poder.

A guerrilha brasileira castigará os latifundiários norte-americanos que são donos de terra no Brasil e os latifundiários brasileiros contra-revolucionários, bem como os seus capangas e os que abusam das mulheres dos camponeses.

O que a guerrilha deve fazer é convulsionar o campo, levando aí a bandeira da luta armada.

A guerrilha brasileira incursionará nos povoados, mas só em defesa dos interesses do povo e em busca de seu apoio político e logístico. Para isso, formará secretos destacamentos armados da população local e organizará o povo sob formas revolucionárias.

A guerrilha brasileira será dotada de um espírito político avaado e progressista, guiando-se pelos princípios do marxismo leninismo, com o que conquistará o apoio do povo. O apoio da população deve existir para excluir a possibilidade de filtração de informação da guerrilha ao campo inimigo. A tarefa de eliminar os delatores será confiada ao povo.

A causa do inimigo é injusta. E ele sabe disso, pois tem consciência de que é um explorador. Ao ver-se acuado no campo pela guerrilha, o inimigo tornar-se-á mais cruel. Essa crueldade nos dará o apoio de milhões de pessoas. A guerrilha será o oposto da crueldade, dará um tratamento humano aos prisioneiros, os respeitará e socorrerá os feridos.

No seio do inimigo há muitos militares que individualmente apóiam o povo. Esses militares, no momento oportuno, devem desertar com suas armas e apetrechos e ingressar na guerrilha.

O fator decisivo da vitória da guerrilha está no apoio do povo, na confiaa cega e absoluta nas massas. A guerrilha deve fazer a mobilização política do povo, uma ardente agitação no meio dele. Nos ombros de milhões de mulheres e homens do povo, particularmente entre a juventude, devem ser colocadas as tarefas de responsabilidade: coletar fundos, conseguir armas, munições, remédios, recursos de toda natureza, enviar combatentes e voluntários à guerrilha.

Para vencer é preciso unidade. O povo deve unir-se pela base, em suas organizações, e com isto chegar à unidade das forças populares e revolucionárias e jamais permitir o engodo das frentes burguesas do tipo "frente ampla".

O segredo da vitória é o povo.

Havana, outubro de 1967